Na última década, o interesse dos psicadélicos—como a psilocibina, LSD e MDMA—como tratamentos para perturbações psiquiátricas cresceu exponencialmente entre cientistas, profissionais de saúde mental, meios de comunicação social e o público em geral.
Dados iniciais de ensaios clínicos controlados sugerem que determinados psicadélicos, quando combinados com apoio psicológico, podem ajudar a aliviar sintomas de Perturbação Depressiva Major (PDM), Depressão Resistente ao Tratamento (DRT) e Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT). Resultados preliminares apontam também para benefícios potenciais em outros diagnósticos, como os transtornos por uso de substâncias.
Apesar destes sinais encorajadores, os autores—psiquiatras de instituições como a Universidade de Toronto, a Universidade de Stanford e a Fundação Champalimaud—enfatizam que muito está ainda por explorar. Em particular, destacam várias questões críticas que precisam ser abordadas para avançar de forma segura e eficaz neste campo.
Desenho de Estudos e “Blinding”
O “blinding” (ou ocultação) é uma estratégia fundamental em estudos clínicos que visa garantir que nem os participantes nem os investigadores sabem quem está a receber o tratamento real e quem está a receber um placebo (substância sem propriedades terapêuticas ativas). Este método ajuda a evitar que as expectativas influenciem os resultados. No entanto, como os psicadélicos tendem a produzir efeitos mentais e físicos perceptíveis, é frequentemente fácil perceber se alguém recebeu uma dose real ou um placebo.
“Quando os participantes percebem que tomaram um psicadélico, isso pode afetar a forma como relatam os seus sintomas—e esse risco de ‘revelação’ pode distorcer os verdadeiros benefícios destes tratamentos”, explica o coautor Albino J. Oliveira-Maia, Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da FC. “É fundamental que ensaios clínicos nesta área recorram a formas criativas de preservar esta ocultação, tais como o uso de ‘placebos ativos’ que imitam alguns dos efeitos subjectivos dos psicadélicos, ou contar com avaliadores independentes—pessoas que não estão diretamente envolvidas na administração dos tratamentos—para acompanhar o progresso dos doentes”.
Segurança, Potencial de Abuso e Gestão de Riscos
Embora os especialistas geralmente considerem que os psicadélicos têm baixo potencial de dependência, os investigadores ainda têm muito a aprender sobre a sua segurança geral a curto e longo prazo. Uma preocupação é o Transtorno Persistente de Percepção por Alucinógenos (HPPD, na sigla em inglês)—uma condição em que as pessoas podem continuar a sentir “flashbacks” recorrentes de efeitos visuais semelhantes aos que ocorreram sob efeitos dos psicadélicos, muito tempo após o uso destas substâncias. Outra área de atenção é a saúde cardiovascular, dado que algumas evidências preliminares sugerem possíveis riscos para as válvulas cardíacas.
“Temos sinais promissores de que os psicadélicos podem ser usados de forma responsável quando são tomadas as devidas salvaguardas”, diz Oliveira-Maia. “Mas parte do uso responsável é avaliar e gerir cuidadosamente esses riscos, especialmente quando consideramos a administração destes tratamentos em mais tipos de doentes”.
O Papel da “Viagem Psicadélica” e da Psicoterapia
Outra das questões mais debatidas em torno dos psicadélicos é se a chamada “viagem”—a intensa experiência subjetiva de percepção e cognição alteradas—é necessária para alcançar benefícios terapêuticos. Na maioria dos estudos, estes tratamentos são combinados com psicoterapia assistida por psicadélicos, onde um terapeuta treinado apoia o doente antes, durante e após a sessão psicadélica. Esta terapia ajuda os doentes a preparar-se para a experiência, processá-la à medida que esta ocorre e refletir posteriormente sobre o seu significado.
“Algumas pessoas podem beneficiar dos insights introspectivos adquiridos durante uma sessão psicadélica”, explica Oliveira-Maia, “enquanto para outras isso pode não ser tão claro. Precisamos de estudos bem concebidos para distinguir até que ponto a psicoterapia—e que tipo—realmente importa para os resultados dos doentes”.
Infraestrutura, Formação e Acessibilidade
À medida que a investigação avança, a questão de como disponibilizar psicadélicos de forma segura, ética e amplamente acessível torna-se mais urgente. Administrar estes tratamentos não é tão simples como prescrever um comprimido. Os doentes geralmente passam pela experiência psicadélica num ambiente cuidadosamente controlado, com profissionais especializados presentes para os guiar e garantir a sua segurança.
“Isto não é como tomar um medicamento normal em casa”, observa Oliveira-Maia. “É provável que as terapias psicadélicas exijam recursos significativos, incluindo pessoal com formação específica, espaços que assegurem a privacidade dos doentes e supervisão regulamentar para garantir os padrões de segurança e ética”.
Todos estes requisitos podem tornar os tratamentos caros e limitar a sua disponibilidade. “Se quisermos que estas terapias cheguem a mais pessoas, precisamos conseguir integrá-las nos sistemas de saúde mental existentes, de forma economicamente viável e escalável, sem comprometer a sua segurança ou qualidade”, acrescenta Oliveira-Maia.
Orientações para Investigações Futuras
Ao dar esta visão detalhada das evidências atuais, potenciais riscos e próximos passos, os autores oferecem um guia para clínicos, investigadores e decisores políticos, enfatizando a necessidade de estudar grupos de doentes bem definidos e abordar questões críticas como: Que tipos de doentes têm maior probabilidade de beneficiar destas terapias? Como os efeitos positivos podem ser sustentados ao longo do tempo? Ou como os psicadélicos interagem com outros medicamentos psiquiátricos?
“Precisamos de ensaios em larga escala, com métodos rigorosos para abordar estas e outras questões e produzir resultados confiáveis”, conclui Oliveira-Maia. “Ao identificar quem beneficia—e porquê—podemos traçar um caminho mais claro para estes tratamentos, oferecendo opções seguras e eficazes para os doentes que mais precisam delas”.
Texto por Hedi Young, Science Writer and Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud.
Tradução de Teresa Fernandes, Coordenadora da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud.