24 Janeiro 2024

UE financia investigação em Terapia Psicodélica aplicada a Transtornos Mentais Resistentes ao Tratamento nos Cuidados Paliativos

A União Europeia (UE) atribuiu mais de 6,5 milhões de euros a um consórcio com 19 parceiros, que inclui a Fundação Champalimaud (FC) em Portugal. Este financiamento irá apoiar a investigação sobre a utilização da psilocibina sintética, um composto encontrado em cogumelos “mágicos”, para aliviar o sofrimento psicológico em pessoas com doenças incuráveis ​​que necessitam de cuidados paliativos. Trata-se da primeira vez que a UE financia um estudo clínico multicêntrico para um tratamento psicadélico.

Fundos da UE Apoiam Pesquisa em Terapia Psicadélica para Transtornos Mentais Resistentes ao Tratamento em Cuidados Paliativos

A previsão é de que este estudo, denominado de PsyPal, comece a recrutar doentes em 2025, representando um passo significativo na exploração de tratamentos inovadores para o sofrimento psicológico e existencial profundo em pessoas com doenças avançadas. A FC, juntamente com três outros centros clínicos europeus, tratará mais de cem doentes, sendo que cada centro irá focar-se numa condição diferente. Enquanto que a FC dedicar-se-á a doentes com perturbações do movimento em fase avançada, incluindo síndromes parkinsonianos atípicos, outros centros nos Países Baixos, na República Checa e na Dinamarca abordarão a doença pulmonar obstrutiva crónica, a esclerose múltipla e a esclerose lateral amiotrófica, respetivamente.

Estas condições, todas incuráveis, têm um grande impacto na vida dos doentes, muitas vezes levando a um pesado sofrimento psicológico. Com a depressão e a ansiedade prevalecendo em 34% a 80% destes doentes, a necessidade de tratamentos inovadores é crítica. Albino Oliveira-Maia, Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da FC, explica: “Inicialmente, os psicadélicos mostraram-se promissores no tratamento da depressão e da ansiedade em doentes com cancro terminal. No entanto, os resultados foram mais variáveis ​​em doentes com transtornos psiquiátricos na ausência de um diagnóstico de risco de vida, o que nos levou a focar-nos novamente em condições incuráveis. Na FC, exploraremos a eficácia e segurança da psilocibina em pacientes com parkinsonismo em estado avançado”.

Carolina Seybert, psicóloga clínica e investigadora da FC, sublinha a urgência de encontrar alívio psicológico ou emocional imediato para doentes paliativos. “O nosso objetivo é oferecer alívio rápido e eficaz a estes doentes, para os quais as intervenções convencionais muitas vezes são insuficientes”. Seybert acrescenta: “Atualmente, na FC, ainda não estamos a administrar psilocibina para tratamentos de depressão e ansiedade. O próximo ensaio avaliará primeiro a sua segurança e eficácia em cuidados paliativos. Estamos especialmente interessados ​​na eficácia do tratamento a longo prazo, um aspeto crucial que é frequentemente subvalorizado. Ao estudo, concebido para durar três meses, seguir-se-á um acompanhamento abrangente de seis meses para avaliar resultados duradouros”.

O estudo baseia-se num ensaio multicêntrico randomizado e controlado, permitindo aos investigadores recolher dados de uma gama diversificada de participantes em diferentes locais da Europa por forma a aumentar a validade e aplicabilidade das suas descobertas. Os doentes na FC serão submetidos a três sessões preparatórias, seguidas de duas sessões de tratamento recebendo psilocibina ou placebo.

Os participantes que receberem psilocibina começarão com uma dose mais baixa para avaliar a sua resposta, seguida de uma dose mais alta. Aqueles designados aleatoriamente para o grupo placebo também terão a oportunidade de realizar uma sessão de tratamento com psilocibina. Seguir-se-ão três sessões adicionais de integração, onde será realizado apoio psicológico contínuo. Seybert observa: “Todos os terapeutas serão minuciosamente treinados e seguirão um manual padronizado, essencial para fornecer cuidados consistentes juntamente com a medicação”.

Marcelo Mendonça, neurologista que fará parte da equipa deste estudo, destaca: “Os cuidados paliativos são muitas vezes confundidos com cuidados de fim de vida, mas aqui estamos a considerar a gestão de sintomas complexos. Isto é particularmente importante para doentes parkinsonianos atípicos, que muitas vezes sofrem de elevadas taxas de depressão. Por razões que não são totalmente compreendidas, os tratamentos atuais não combatem eficazmente a depressão nestes doentes”.

Mendonça continua: “Uma vez que os sintomas depressivos são um indicador significativo de qualidade de vida, abordar a depressão é uma prioridade para nós. O nosso foco com este estudo é melhorar o bem-estar mental dos doentes, e não as suas funções motoras. No entanto, também é importante considerar que a depressão pode afetar a forma como os doentes percebem os seus sintomas físicos. Consequentemente, iremos monitorizar de perto não só os sintomas afetivos, mas também os sintomas cognitivos e motores para avaliar como evoluem durante o tratamento”.

Oliveira-Maia acrescenta: “Se este tratamento se revelar eficaz, no futuro teremos interesse em explorar as contribuições individuais do medicamento e do apoio psicológico na ajuda a doentes com depressão. Este conhecimento será crucial para uma alocação eficiente de recursos”.

Sobre o PsyPal

O estudo PsyPal, coordenado pelo Centro Médico Universitário de Groningen, nos Países Baixos, e em colaboração com o HumanKindLabs, marca o primeiro financiamento da União Europeia para um ensaio clínico com terapia psicodélica assistida. Financiado pelo Horizonte Europa, o principal programa de investigação e inovação da UE, o ensaio procura aliviar o sofrimento psicológico e existencial em doentes com uma de quatro doenças diferentes.

O tratamento focar-se-á em condições específicas em diferentes centros: Parkinsonismo em fase avançada na FC, em Portugal, doença pulmonar obstrutiva crónica no Centro Médico Universitário de Groningen, nos Países Baixos, esclerose múltipla no Instituto Nacional de Saúde Mental, na República Checa, e doença lateral amiotrófica. Esclerose, na Universidade de Copenhaga e no Hospital Bispebjerg, na Dinamarca.

O PsyPal combinará psicoterapia e farmacoterapia para responder às complexas necessidades destes doentes. Visando um bem-estar duradouro para além dos resultados clínicos imediatos, contará com o apoio de pares e ferramentas online para melhorar os mecanismos de resposta e aliviar o sofrimento dos doentes e das suas famílias.

Este ensaio é mais do que um estudo clínico; é um esforço colaborativo que envolve 19 organizações europeias de nove países, reunindo uma equipa diversificada de especialistas. Psiquiatras, médicos de cuidados paliativos, psicólogos e especialistas em terapia com psilocibina trabalharão lado a lado com investigadores em cuidados espirituais e representantes religiosos, formando um consórcio interdisciplinar único.

Aviso:

Os parceiros no consórcio comprometem-se a manter os mais elevados padrões éticos em práticas clínicas e de investigação, conforme estabelecido no regulamento do Horizon Europe. Além disso, o consórcio irá seguir os requisitos ou recomendações dos comités de ética e autoridades reguladoras.

Financiado pela União Europeia. Os pontos de vista e opiniões expressos são, no entanto, apenas do(s) autor(es) e não refletem necessariamente os da União Europeia ou da Agência Europeia de Execução Digital e de Saúde (HADEA). Nem a União Europeia nem a autoridade que concede o financiamento podem ser responsabilizadas por eles.

Texto por Hedi Young, Science Writer and Content Editor da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud.
Texto traduzido por Catarina Ramos, Coordenadora da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud.
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