07 Dezembro 2023

Um atendimento humanizado e personalizado numa altura em que as pessoas estão mais vulneráveis

O Centro Clínico da Fundação Champalimaud está empenhado em transformar a experiência dos doentes oncológicos que acolhe, num momento o menos pesado possível para eles e suas famílias. A pensar nisso, implementou um modelo de atendimento ao público algo fora do tradicional, pensado à luz daquilo que está no “ADN” da Fundação: humanização e personalização dos cuidados. Uma atitude que marca a diferença, pela positiva, na vida dos doentes e das suas famílias.

Um atendimento humanizado e personalizado numa altura em que as pessoas estão mais vulneráveis

Tânia Mesquita, 36 anos, é responsável pela área de atendimento ao público, do secretariado clínico – e sobretudo do acolhimento dos doentes no Centro Clínico Champalimaud (CCC). É licenciada em gestão, tendo feito ainda frequentado um mestrado em marketing estratégico e concluído uma pós-graduação em Gestão de Unidades de Saúde. Neste momento, além do seu trabalho na Fundação Champalimaud, é responsável pelo módulo da qualidade numa pós-graduação no Instituto Superior de Gestão e Administração (ISLA) de Santarém, onde dá aulas. E ainda frequentemente convidada a participar como oradora em vários congressos médicos e da área da saúde para apresentar e discutir o modelo implementado na Fundação Champalimaud.

Para ela, simplificar a “viagem” dos doentes durante o tempo que estão no CCC, desde a chegada até a saída dos actos clínicos, é muito importante e uma condição que muito diferencia o Centro Clínico enquanto prestador de cuidados de saúde, para além de ter um claro impacto no estado emocional dessas pessoas, sejam elas doentes ou cuidadores e famílias que os acompanham neste processo. Pretende-se reduzir os níveis de stress e de ansiedade, já por si elevados em doentes com suspeita ou diagnóstico de cancro.

Neste momento, a equipa que dirige conta com 80 a 85 pessoas, incluindo gestoras responsáveis pelo acolhimento, que circulam nas salas de espera para garantir o bem-estar dos doentes, e gestores de doente, que estão nas Unidades e Serviços e que tratam dos agendamentos, das estimativas de custo e da relação com as seguradoras e subsistemas de saúde. “É uma grande equipa que acompanha este grande projecto”, diz Tânia Mesquita, acrescentando que “esta área dos cuidados não-clínicos está à escala da importância que a Fundação lhe atribui.” 

Em que é que o atendimento ao doente no CCC é invulgar?

A nossa preocupação é que o doente não sinta que está a entrar num hospital, que tenha realmente a possibilidade de estar com a família num espaço agradável e tranquilo, que sinta que ao seu  lado estão pessoas que facilitam os processos. É um atendimento humanizado, personalizado, feito à medida de cada doente durante uma fase muito delicada e de grande vulnerabilidade da sua vida. 

Pensamos a experiência do doente ao pormenor, começando logo no seu primeiro contacto com a Fundação, mas também a forma como o doente acede aos nossos serviços, a forma como se vai deslocar até à Fundação, como vai chegar à área da consulta, à área dos exames ou aos seus tratamentos. Preocupamo-nos com as dificuldades dos doentes no que respeita à sua mobilidade. A nossa missão, a partir do momento em que sabemos que o doente chegou é acompanhá-lo. Enquanto estiver connosco, este tem que sentir que existe sempre alguém disponível para facilitar o processo e que essa pessoa está inteiramente ao serviço do seu bem-estar. 

Em que consiste este acompanhamento?

Na sala de espera, o doente tem de estar confortável, saber que pode tomar um café e comer um bolo tranquilamente com a família, que se existir algum atraso alguém virá procurar se precisa de alguma coisa e que alguém está preocupado e a zelar pela gestão da sua agenda enquanto doente. Não temos sistema de senhas na Fundação; isto permite que o doente esteja em qualquer sítio – no quiosque, no jardim tropical, sem ter de ficar de olhos postos num monitor para saber se já está na hora de ir para a consulta e está a ser aguardado num gabinete. 

O doente recebe um smartphone da Fundação no check in, que lhe é atribuído por uma gestora de acolhimento que o aborda à chegada. Com este sistema, o doente pode circular livremente em todos os espaços da Fundação, dispondo de zonas de estar criadas com um conceito mais hoteleiro, para que não se sinta  num hospital. Quando chegar o momento do seu acto clínico, o doente sabe que alguém lhe irá ligar através do smartphone e, logo aí, também um assistente operacional virá ao seu encontro para o acompanhar. Temos de equilibrar a componente tecnológica com a humanização dos cuidados. Ou seja, não dispensamos que a pessoa se sinta acolhida, que existam pessoas para a receberem e acompanharem ao longo de todo o processo. Fugimos muito do conceito do balcão: o doente não precisa de ir para um balcão ou de estar numa fila, na nossa visão somos nós que temos que ir ao encontro dos doentes.

Os serviços clínicos da Fundação estão divididos por unidades funcionais de diagnóstico, tais como a Unidade de Mama, a Unidade do Digestivo, a Unidade de Urologia, a Unidade do Pulmão, a de Ginecologia, etc. E cada Unidade tem uma equipa de gestores de doente. O gestor de doente é a pessoa com quem o doente vai interagir a partir do momento em que tem uma ficha no Centro Clínico e um agendamento. O gestor do doente da Unidade é a pessoa de referencia do doente na Instituição, é o seu gestor que o doente vai contactar para confirmar ou pedir agendamentos. Este gestor é o elo de ligação entre o doente e a Unidade que o acompanha e dá apoio a todas as solicitações do doente.

A forma como o doente é acolhido e acompanhado no CCC difere do que fazem outros estabelecimentos hospitalares? 

Eu acredito que todos os hospitais têm noções de hospitalidade e acolhimento e tentam tornar os processos mais rápidos e mais funcionais, acredito que cada instituição tem estratégias diferentes para abordar esta questão. Mas sabemos que o nosso modelo também tem sido replicado em algumas instituições e isso é algo que nos satisfaz, porque acaba por ser uma validação pelos nossos pares e um reconhecimento pelos nossos doentes. Quanto à nossa estratégia, dado que os doentes que recebemos são doentes em processo de doença oncológica, temos particular cuidado em preparar as coisas de uma forma menos pesada e mais fácil para os doentes. E enquanto há hospitais que limitam o tempo que cada profissional pode dedicar a cada doente, nós aqui, felizmente, não temos essa limitação. A qualidade não se mede em tempo, mas na forma como o doente se sente acolhido.

Também tentamos pôr os doentes à vontade do ponto de vista visual: usamos fardas de ganga, calçamos ténis, para que não haja aquela formalidade do fato e gravata; tentamos ter uma abordagem mais prática e descontraída. Há para nós uma formalidade no cumprimento das regras de protocolo, na forma como atendemos os nossos doentes, como nos dirigimos a eles, mas pensamos que esta informalidade no código de vestuário nos aproxima das pessoas.

Concretamente, como se passa o percurso dos doentes a partir do primeiro contacto?

A primeira linha de contacto é o Centro de Atendimento. Os operadores do centro de atendimento fazem o atendimento telefónico, bem como a gestão dos pedidos que nos chegam por e-mail e através do nosso site. O Centro de Atendimento inclui ainda uma equipa de enfermagem que é responsável pela triagem clínica. Queremos que o doente venha a uma consulta já preparada, na qual serão tomadas decisões – e não a uma consulta onde lhe irão ser pedidos exames adicionais, fazendo com que tenha de voltar para nova consulta. Temos de respeitar o tempo dos doentes e o tempo dos nossos profissionais.

A equipa de enfermagem contacta a pessoa nas 24 a 48 horas a seguir ao pedido, recebe toda a informação clínica e faz os agendamentos. A partir do momento em que fazemos o agendamento, cada doente fica inserido numa unidade multidisciplinar de diagnóstico – digamos, por exemplo, na unidade de Digestivo – e aí é que lhe é atribuído um gestor do doente, como já referi. Embora tudo seja feito em equipa, o doente tem assim uma figura de referência.

Como é que o doente é posto em contacto com esse gestor?

Quando o doente recebe o SMS com a confirmação das suas  marcações, recebe nesse mesmo SMS a indicação do nome e o contacto telefónico do seu gestor (essa informação está também disponível na app dos doentes, Champ@me). Mesmo que nem sempre seja possível ser atendido logo por esse gestor, nós garantimos que alguém da equipa atende ou retribui atempadamente o contacto ao doente. Este é um dos nossos critérios de personalização: a pessoa sabe que tem alguém que está a zelar pelo seu processo e a tratar dos seus pedidos.

Temos o cuidado de antecipar se o doente vem de transportes, e, se vem em carro próprio, onde estaciona. No parque de estacionamento, na rua? Se escolher esta última opção, nós temos lá carrinhos de transporte, que circulam o dia todo e que têm ao volante elementos da Equipa ChampiHelp, constituída por  jovens da Universidade de Lisboa (no âmbito de uma parceria entre a Fundação com essa Universidade), e que apoia os doentes na sua deslocação. O que para nós é importante é ter pessoas presentes, em permanência, em locais estratégicos, caso um doente precise de uma cadeira de rodas ou de ajuda no transporte. Sabemos que a chegada à Fundação, sobretudo a primeira vez, esta é uma das questões que preocupam os doentes, que já vêm à consulta ansiosos e, por vezes, sozinhos. Ter alguém que facilite o processo logo à chegada faz diminuir os níveis de ansiedade e ajuda a pessoa a ficar mais tranquila. 

E a partir daí?

Depois, chegando à entrada principal, há uma equipa que ajuda as pessoas a encontrarem os serviços: os gestores de acolhimento, também chamados de gestores circulantes – que, munidos de um tablet, evitam que os doentes façam fila nos balcões. O gestor senta-se com o doente num sítio simpático e confortável, faz o seu check-in e entrega-lhe um smartphone.

Na hora da consulta, do exame ou do tratamento, o doente é chamado pelos assistentes operacionais, como já mencionei, que os vêm buscar à sala de espera e os acompanham, por exemplo, para o gabinete do médico. Nesta relação que procuramos construir com os doentes, a própria equipa clínica recebe o doente à porta do gabinete e demora o tempo que for necessário com esse doente, No final, o doente sai da consulta acompanhado por esse profissional, que o leva para junto do seu gestor de doente, que dará seguimento aos agendamentos futuros e a todas as solicitações. Por vezes, o doente acabou de receber uma má notícia e é preciso dar-lhe privacidade, garantir que têm um momento para assimilar o que acabou de ouvir. Nestes casos, o gestor de doente poder acompanhar o doente a uma zona mais confortável. É um privilégio e faz parte da nossa missão atenuar o peso da doença naquela pessoa e naquela família. Para finalizar, quando o doente já realizou os seus actos médicos e está de saída, faz-se o check-out; também não é preciso tirar uma senha para pagar.

Estamos a desenvolver ferramentas tecnológicas para realizar com maior facilidade todas as operações associadas à facturação, com o doente comodamente sentado num sofá e permitindo que este efectue o pagamento directamente na nossa app.

Recebem feedback dos doentes sobre a sua experiência no CCC?

Nós não enviamos questionários de satisfação ou de qualidade do serviço. O feedback que temos é aquele que nos é transmitido pessoalmente ou por escrito pelos doentes. Temos o privilégio de ter um contacto directo com as pessoas, de estar com elas no dia-a-dia, de ouvir as suas opiniões e sugestões. Todos os dias estamos no terreno e percebemos quais são as dificuldades dos nossos doentes, das suas famílias, mas também quais os desafios  que as nossas equipas de profissionais enfrentam para garantir um nível de serviço tão humanizado – diria mesmo que único. Fazemos um esforço permanente para manter a nossa equipa focada na sua missão: estar ao serviço do doente, prestar um serviço de excelência. Para isso, colocar-se no lugar do doente é fundamental – para saber o que é que ele precisa, o que valoriza em cada etapa. Fazer parte deste processo nem sempre é fácil, mas saber que marcamos a diferença pela positiva é tão motivador como o reconhecimento dos nossos doentes.

Entrevista por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
O Percurso do Doente: Guia de Acolhimento
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