23 Outubro 2025

Aprofundar a segurança, a regulamentação, as práticas terapêuticas e as orientações futuras dos cuidados assistidos por psicadélicos

No dia 1 de outubro, realizou-se um simpósio de um dia na Fundação Champalimaud que reuniu médicos, investigadores, representantes dos doentes, decisores políticos e especialistas em ética para olhar o panorama dos cuidados assistidos por psicadélicos pela lente dos quatro pilares da ética médica: beneficência, não maleficência, justiça e autonomia.

Aprofundar a segurança, a regulamentação, as práticas terapêuticas e as orientações futuras dos cuidados assistidos por psicadélicos

“Eu era um adolescente psicadélico. E, aos 18 anos, tive uma má experiência com LSD e fiquei muito paranóico”, explicou Jules Evans à assistência, no evento que aconteceu na Fundação Champalimaud, no início do mês, sob o título “Terapia Psicadélica: Da Evidência à Equidade”. Hoje, Evans é o fundador e director do Challenging Psychedelic Experiences Project, líder em termos de recursos para as dificuldades pós-psicadélicas – e que ajuda as pessoas a recuperarem dessas experiências adversas.

Os efeitos da sua bad trip, recordou Evans – um elevado nível de ansiedade e pesadelos – duraram semanas. Será que alguma vez iria recuperar?, perguntou-se vezes sem conta. Na década de 1990, quase não havia informação sobre este tipo de situação.

Consultou um psiquiatra, que lhe disse que sofria de Perturbação de Stresse Pós-Traumático e de ansiedade social. Juntou-se então a um grupo de apoio informal de terapia cognitivo-comportamental, o que lhe permitiu recuperar. Foi um processo lento, admite. “Durante muito tempo, não tive vida romântica – casei-me há apenas quatro meses!”

“Cinquenta por cento dos ‘psiconautas’ [pessoas que experimentam substâncias que alteram a consciência] tiveram uma má experiência com psicadélicos, talvez a pior experiência das suas vidas”, diz Evans. De acordo com um inquérito promovido pelo Challenging Psychedelic Experiences Project, para 10% dos indivíduos com uma experiência negativa, as dificuldades duram mais de um ano e são moderadas a graves.

Essas pessoas relatam “dificuldades graves prolongadas”, como ansiedade, trauma, fobias, desconexão social, despersonalização, alucinações visuais, confusão existencial (como dar sentido à experiência?), depressão, episódios psicóticos ou maníacos, diminuição do sentido de identidade. “E a principal pergunta que fazem é: ‘quanto tempo vai durar?’”, ressalta Evans mais uma vez.

As experiências traumáticas acontecem em ambientes não clínicos, em festas ou quando as pessoas estão sozinhas – e devem-se “ a dosagens excessivas e à falta de apoio competente após o evento”, acrescenta. Podem realmente destruir-lhes a vida.

Então, como recuperar? A ONG de Evans tem cinco artigos publicados sobre o assunto. Apoio social, família e amigos são fundamentais; o autocuidado, a aceitação e a autocompaixão ajudam; e medicamentos como os ISRS (antidepressivos) são úteis quando necessários. “Aprendam, comuniquem, procurem apoio, não escondam nem minimizem”, aconselha.

Mas a falta de informação pública, de apoio e de protocolos baseados em evidência faz com que as pessoas, desesperadas, tentem recuperar recorrendo a qualquer alternativa disponível, incluindo práticas como a acupuntura e o xamanismo. “Os médicos não conhecem essas dificuldades”, diz Evans. “E são necessárias mais pesquisas sobre dificuldades psicadélicas específicas, mais estudos sobre como recuperar”.

O problema do uso não médico

“Além de perceber se uma substância é boa ou não, há questões éticas críticas”, disse Albino J. Oliveira-Maia, psiquiatra e director da Unidade de Neuropsiquiatria e da recém-criada Clínica de Neuroterapêuticas Digitais – integrada no Centre for Restorative Neurotechnology da Fundação Champalimaud –, quando apresentou o evento do qual também foi organizador. “Os quatro pilares da ética são: beneficência, não maleficência (uso prescrito), justiça e autonomia (uso individual)”, explicou. Esses foram os quatro aspectos abordados no simpósio.

Mesmo o uso médico, regulamentado, de psicadélicos levanta vários dilemas éticos, como foi salientado há alguns meses, também na Fundação Champalimaud, durante a apresentação de recomendações multidisciplinares para orientar a integração baseada em evidência dos psicadélicos na prática clínica em Portugal. (https://fchampalimaud.org/news/recommendations-clinical-use-psychedelic…). Em particular, considerou-se da máxima importância uma reflexão cuidadosa sobre as especificidades do consentimento informado na administração de substâncias psicadélicas a doentes.

Por outro lado, o uso individual, não regulamentado – ou seja, principalmente o uso recreativo de drogas, incluindo psicadélicos – está a crescer na Europa, trazendo consigo uma série de riscos para os utilizadores. Thomas Clausen, director científico da Agência da Droga da União Europeia (EUDA), descreveu os métodos utilizados para medir e compreender as tendências do uso de drogas. “Um pequeno subgrupo utiliza as drogas como medicação”, explicou. “Mas mais de 75% dos utilizadores tomam cetamina, MDMA (ecstasy) e cocaína para ficarem ‘alterados’, para se divertirem.”

No entanto, a frequência do uso de psicadélicos ainda é muito baixa na UE. De acordo com um relatório de 2024 da ESPAD (o maior projecto de investigação do mundo sobre o consumo de substâncias por adolescentes, com equipas de investigação em mais de 40 países europeus), 95% dos estudantes consomem apenas canábis, com a MDMA e o LSD a representarem apenas 2% dessa população total. No entanto, mesmo que a cetamina tenha representado apenas 1% do consumo total de drogas recreativas em 2016, acrescenta Clausen, “existe um mercado ilícito de cetamina na UE. E com a crescente disponibilidade de cetamina, os riscos de danos também estão a aumentar”.

A procura de “retiros psicadélicos”, de natureza “pseudo-clínica, neo-xamânica ou religiosa”, aumentou cinco vezes em cinco a seis anos na Europa, salientou Clausen. “A proibição falha – e causa muitos danos”, disse pelo seu lado João Taborda da Gama, advogado de direito público e académico especializado na regulamentação de substâncias controladas e políticas de drogas, durante a sua palestra.

Alguns modelos terapêuticos considerados como sendo mais científicos têm sido questionados. Na sua palestra, Neşe Devenot, da Universidade Johns Hopkins — que é investigadora em humanidades psicadélicas desde 2010 e ajudou a fundar os Estudos Psicadélicos como um campo interdisciplinar — questionou o modelo utilizado pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicadélicos (MAPS, uma ONG americana).

Nos EUA, as diretrizes da MAPS são algumas das mais utilizadas na terapia assistida por psicadélicos – nomeadamente, o seu manual para o uso de MDMA no tratamento de PTSD.

Devenot e co-autoras escreveram um artigo de opinião na JAMA Psychiatry, em 2023, alertando para o facto de a componente terapêutica desta terapia assistida por psicadélicos não estar a ser suficientemente estudada, podendo representar riscos graves para os doentes. Devenot também reportou a sua preocupação numa análise escrita enviada à FDA, também em 2023.

O futuro médico dos psicadélicos

Mas o futuro pode ser mais promissor.

Hoje, psicadélicos como a MDMA, a cetamina e a escetamina, bem como a psilocibina (cogumelos), estão a ganhar força como tratamentos genuínos para a depressão grave, com alguns deles a serem autorizados, tanto nos EUA como na Europa (incluindo Portugal), para esta indicação médica. E ensaios clínicos baseados na ciência estão a caminho.

“Há indícios crescentes dos benefícios do tratamento com psilocibina contra o sofrimento no fim da vida”, afirmou na sua palestra Robert Schoevers, investigador principal do Consórcio PsyPal, a primeira parceria europeia a receber uma bolsa da UE para realizar investigação clínica sobre terapia assistida por psicadélicos.
Ensaios clínicos de grande dimensão, precisos e bem controlados, são passos críticos para que os doentes tenham acesso a tratamentos psicadélicos em situações realistas.

O Psypal irá realizar um ensaio clínico da terapia com psilocibina no contexto dos cuidados paliativos. O consórcio começou recentemente a recrutar participantes.

A lógica por trás do Psypal é que muitas pessoas com doenças terminais enfrentam problemas existenciais e angústia – e que são urgentemente necessárias soluções inovadoras para atender às suas necessidades espirituais e emocionais enquanto recebem cuidados paliativos.

O objetivo do PsyPal é estudar se a terapia assistida por psilocibina no contexto dos cuidados paliativos pode ajudar a aliviar as experiências de angústia existencial de indivíduos com as seguintes doenças incapacitantes: doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC); esclerose múltipla (EM); esclerose lateral amiotrófica (ELA); e Doença de Parkinson Avançada e Parkinsonismos Atípicos (APD).

Serão tratados mais de cem doentes em quatro locais clínicos distintos, com cada local focado numa doença específica: DPOC no Centro Médico Universitário de Groningen (UMCG), na Holanda; APD na Fundação Champalimaud, em Portugal; EM no Instituto Nacional de Saúde Mental, na República Checa; e ELA, conjuntamente na Universidade de Copenhaga e no Hospital Bispebjerg, na Dinamarca.

“A Europa já é líder na investigação sobre a segurança dos psicadélicos”, salientara Evans na sua palestra. “E Portugal pode tornar-se líder, maximizando os benefícios e reduzindo os danos.”
 

 

Texto de Ana Gerschenfeld, Health&Science Writer da Fundação Champalimaud.
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