12 Julho 2023

Check Up #15 - O que é a terapêutica em Medicina Nuclear

“Radioterapia Molecular”?

Check Up #15 - What is therapeutic Nuclear Medicine - “molecular radiotherapy”?

No CheckUp #14, falámos dos diferentes tipos de tratamentos do cancro com radiação ionizante: radioterapias interna e externa. Prometemos que voltaríamos a este assunto para abordarmos com maior detalhe um tipo especial de radioterapia interna: a radioterapia molecular. Trata-se de uma atividade integrada na Medicina Nuclear que é uma especialidade médica em que, no apoio à Oncologia, se utilizam radiofármacos para diagnosticar, tratar e avaliar a resposta de cancros a medicamentos já existentes ou novos. 

A radioterapia molecular (do inglês Molecular Radiotherapy) é também conhecida por terapêutica com radionuclídeos direcionados ao tumor (do inglês Targeted Radionuclide Therapy) e, na sua forma mais específica, por terapêutica com radionuclídeos dirigida aos receptores de peptídeos (do inglês Peptide Receptor Radionuclide Therapy). É realizada fundamentalmente com recurso a duas técnicas: a administração de radiofármacos (sem acção farmacológica clinicamente mensurável) e de radiopartículas – ou seja, de substâncias que foram ligadas a um elemento emissor de radiação ionizante ou radionuclídeo antes da sua administração ao doente. Essa ligação permanece mesmo depois da administração. 

A segunda opção é a mais recente. Consiste em incorporar um radionuclídeo em micropartículas de vidro, resina ou de um polímero biodegradável constituído por moléculas de ácido láctico. Na primeira opção, a mais comum, um radionuclídeo é ligado a um fármaco ou análogo biológico para formar um radiofármaco. Este mesmo princípio é também usado na obtenção de imagens de Medicina Nuclear para diagnóstico, estadiamento e seguimento dos doentes após tratamento (ver CheckUp #11). 

Como já foi dito no CheckUp #14, existe ainda um outro tipo de radioterapia interna: a braquiterapia. Mas, ao invés desta, que usa fontes radioativas “seladas” (na forma sólida) que são administradas num local anatómico único, a radioterapia nuclear recorre a fontes radioactivas não seladas (“líquidas” ou em cápsulas) para administração sistémica (injectáveis ou orais). 

No Serviço de Medicina Nuclear-Radiofarmacologia da Fundação Champalimaud são tratados doentes com tumores neuroendócrinos (habitualmente em quatro sessões com intervalos de cerca de oito semanas). Muito em breve começar-se-á a tratar doentes com carcinoma da próstata metastático e resistente à castração química. Hoje em dia, este serviço já trata doentes com metastização óssea de carcinoma da próstata resistente à castração química, em seis sessões de terapêutica com intervalos de quatro semanas.

Estes tratamentos não exigem permanência prolongada do doente nas instalações por períodos superiores a seis ou oito horas. Apenas nos casos de terapêutica com Iodo-131 poderá ser necessário um internamento superior a 24 horas em instalações com proteção radiológica específica.

O serviço também realiza um tipo de tratamento em que a administração das fontes radioativas se faz no local afetado pela doença. Em particular, são usadas micropartículas de vidro carregadas com o radionuclídeo Ítrio-90 (Y-90) para o tratamento de doentes com tumores no fígado primários (hepatocarcinoma) e metastáticos (colangiocarcinoma, timoma, colorretal, etc). Este tratamento, conhecido por terapêutica interna seletiva com radiações (do inglês Selective Internal Radiation Therapy) ou mais abreviadamente radioembolização do fígado, consiste na administração de milhões de microesferas por cateterização da artéria hepática, ou de um dos seus ramos, sendo o cateter introduzido, habitualmente, via artéria femoral. 

O termo radioembolização (radio + embolização) descreve muito bem as duas formas como o tratamento produz o seu efeito no fígado, ou seja, pela radiação no local dos tumores, poupando o mais possível o tecido normal do fígado, e pela embolização (obstrução) das vias hepáticas (artérias) que conduzem ao tumor, reduzindo a sua irrigação e o consequente fornecimento de “alimento” ao tumor. Estes tratamentos são normalmente realizados numa única sessão, podendo ser necessário o internamento do doente, mas, em geral, nunca mais de um dia.

Em ambas as técnicas (administração sistémica de radiofármacos específicos ou de micropartículas no local dos tumores), a medição da dose das radiações ionizantes é feita de forma personalizada para cada doente.

Nesta era de medicina personalizada, em que os tumores malignos de cada doente podem ser caracterizados pela presença de moléculas específicas nas suas células, já é possível aplicar a terapêutica com radionuclídeos direcionados ao tumor personalizando a molécula activa em função do tipo de tumor maligno. Isto permite o tratamento sistémico personalizado do cancro específico de cada doente. Por outro lado, os avanços tecnológicos ao nível dos equipamentos de imagem com radiofármacos e radiopartículas, juntamente com a melhoria da capacidade de cateterização de órgãos e dos seus segmentos, como no caso da radioembolização hepática, também melhoram a selectividade necessária à personalização deste tipo de tratamento local.

Por Paulo Ferreira, Joana Castanheira, Angelo Silva
Editado por Ana Gerschenfeld
 
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