16 Maio 2022

Dia Nacional dos Cientistas 2022: O Nascimento de um Cientista

Como nasce um cientista? Para comemorar o Dia Nacional do Cientista (16 de maio), contamos as histórias da “origem” de três cientistas da Fundação Champalimaud. Do mundo submarino dos documentários de Jacques Cousteau à cozinha cabo-verdiana, descubra as memórias e momentos que os levaram a seguir uma carreira na ciência e como o passado moldou o seu presente.

National Scientist's Day 2022: The Birth of a Scientist
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Sabine Renninger

INVESTIGADORA PÓS-DOUTORADA, LABORATÓRIO DA VISÃO À AÇÃO

"Alguma vez, no caminho para a escola ou para o trabalho, de repente reparou em  algo que esteve sempre lá, mas em que nunca havia reparado? Desde pequena, que estes momentos me fazem questionar se o que estou a ver é realmente como o mundo é ou se consiste apenas na perceção que eu tenho do mundo. E cada vez mais me surpreende a forma como as pessoas podem experienciar o mesmo meio ambiente, de forma diferente.

De facto, a nossa perceção não é apenas uma simples representação da envolvente física, mas sim uma interpretação filtrada pelos nossos objetivos atuais, experiências passadas, emoções e crenças. 

A maneira como vemos o mundo ao nosso redor molda diariamente as nossas ações e interações. Naturalmente comecei a interessar-me pelos mecanismos subjacentes à perceção visual e como isso afeta a flexibilidade do nosso comportamento. Para entender como o nosso cérebro seleciona os sinais visuais a processar e decide quais as ações apropriadas, dediquei-me ao estudo de uma espécie aquática vertebrada, o peixe-zebra.

O peixe-zebra, com apenas seis dias já interage, de forma adaptativa, com o meio ambiente. O seu cérebro pequeno e transparente permite-nos registar a dinâmica da atividade neuronal e estudar como o sistema nervoso integra informações do mundo exterior para gerar decisões comportamentais. Conhecer os mecanismos que operam dentro do minúsculo cérebro do peixe pode ajudar-nos a descobrir quais são os limites da nossa perceção e a encontrar formas de a expandir."

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Joaquim Alves da Silva

INVESTIGADOR PRINCIPAL, LABORATÓRIO DISFUNÇÃO DOS CIRCUITOS NEURAIS

"Desde que me lembro, sempre procurei perceber como funciona o universo em que existimos. Esta curiosidade foi provavelmente reforçada pelos meus pais e pela tendência que os adultos têm em bater palmas sempre que uma criança revela um conhecimento surpreendente sobre o mundo.

Mas a ciência não consiste apenas em saber coisas, está na verdade mais relacionada com o processo de explorar e descobrir coisas. Aprendi isso com os documentários do Jacques Cousteau, que muitas vezes assistia na televisão quando era criança. No verão, passava horas a tentar vislumbrar a vida subaquática com um par de óculos de mergulho rudimentares, nadando entre algas e imaginando que estava no Mar dos Sargaços.

Mais tarde, perante a escolha entre biologia marinha ou medicina, optei pela última. Compreensivelmente, a ciência na medicina é vista através de uma lente muito pragmática, com mais ênfase no conhecimento do que na exploração ou descoberta. E foi essa circunstância que acabou por me levar a fazer um doutoramento em neurociência.

Uma noite, estava a conduzir uma experiência utilizando luz para controlar a atividade de um grupo específico de células cerebrais em ratinhos. E à medida que a experiência se desenrolava, ficou muito claro que estava perante um resultado impressionante e uma potencial descoberta. Por um breve momento, percebi que provavelmente era a única pessoa no mundo que sabia daquela informação, sozinho às 22h, num quarto escuro e sem janelas. É difícil de explicar, mas esse foi um sentimento único, e que tenho perseguido desde então."

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Denise Camacho

ESTUDANTE DE DOUTORAMENTO, LABORATÓRIO FITNESS CELULAR

"Cresci em Santiago, uma ilha vulcânica verdejante no meio do Oceano Atlântico. É a maior ilha do arquipélago de Cabo Verde, com montanhas, vales e terras férteis. Desde cedo, passava o meu tempo a colher milho com a minha família nos campos por trás da nossa casa. O milho é um dos alimentos base da cozinha cabo-verdiana, e eu aprendi a cozinhar com apenas 10 anos, com os meus irmãos e irmãs.

Santiago está coberta de plantações de banana, e um dos pratos que aprendi a preparar foi o fidjós, uma receita tradicional de Cabo Verde em que fritamos banana misturada com farinha de trigo, ovo e leite. O óleo tem de estar bem quente antes de adicionar os fidjós, e se a temperatura não for a adequada, ficam crus por dentro. 

Tive muitas experiências culinárias fracassadas, mas em cada uma delas aprendi sempre algo. De certa forma, o ter-me habituado a coisas que não funcionam na cozinha preparou-me para uma vida na ciência, já que muitas (talvez a maioria!) das experiências no  laboratório não funcionam. Tal como acontece com as receitas, os protocolos científicos precisam ser otimizados, ajustados e adaptados, para que não fiquemos frustrados quando as experiências falham. A ciência é um processo iterativo, assim como cozinhar. Lembro-me vivamente de um telefonema que o meu irmão me fez quando eu tinha 12 anos. Ele perguntou-me 'O que queres fazer quando cresceres?'. Na altura, eu queria dizer algo que parecesse impossível, algo que o impressionasse, então respondi: 'Eu vou ser cientista'. E aqui estou eu."

Editado por: Hedi Young
Fotografias de: Alexandre Azinheira
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