As perturbações do sono em doentes com cancro da mama submetidos a quimioterapia neoadjuvante – destinada a reduzir o tamanho do tumor antes da cirurgia – são um dos efeitos secundários comuns desses tratamentos, que podem não só exacerbar outros efeitos indesejáveis, mas também afetar o prognóstico dos doentes. Uma das possíveis estratégias não farmacológicas para mitigar tais perturbações é a prática de exercício físico.
No entanto, para avançar na investigação sobre os potenciais benefícios do exercício, são necessários métodos mais precisos, mais detalhados e menos subjectivos para quantificar o sono nas doentes. Agora, num estudo preliminar, uma equipa de investigadores portugueses utilizou um dispositivo contactless equipado com sensores, com o intuito de medir vários parâmetros do sono, incluindo a sua duração, qualidade e o horário em que o sono ocorre.
Os resultados foram recentemente publicados na revista Scientific Reports. Carla Malveiro, fisiologista do exercício e coordenadora do Programa de Exercício em Oncologia da Fundação Champalimaud (FC), e Pedro Saint-Maurice, líder do grupo do Laboratório de Actividade Física e Qualidade de Vida, também da FC, são, respectivamente, a autora principal e o autor sénior deste novo estudo, realizado em parceria com a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.
“Embora muita investigação se tenha centrado no impacto da quimioterapia na qualidade geral do sono através de medidas subjectivas, tem sido dada menos atenção aos seus efeitos em métricas específicas do sono, tais como a duração, o horário, a continuidade e as sestas”, escrevem os autores no seu artigo. “Este estudo preliminar aborda esta lacuna.”
Normalmente, nos estudos de avaliação do sono na investigação oncológica, os participantes são convidados a autoavaliar a qualidade do sono dos dias anteriores, utilizando questionários estandardizados. No entanto, os dispositivos de sono contactless, equipados de sensores, têm-se tornado mais proeminentes, uma vez que esta tecnologia pode recolher informações sobre o sono de forma passiva e durante longos períodos de tempo sem perturbar as rotinas de sono dos doentes oncológicos.
Neste novo estudo, a equipa utilizou um dispositivo contactless colocado debaixo do colchão, que permite avaliar não só a duração do sono, mas também o horário e a regularidade. “Utilizámos o dispositivo Emfit QS durante cerca de 100 dias consecutivos em 24 doentes com cancro da mama a fazer quimioterapia neoadjuvante”, escrevem os autores. Também foi incluída uma avaliação subjectiva da qualidade do sono, utilizando o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI na sigla em inglês), um questionário de autoavaliação que gera uma pontuação global da qualidade do sono e dos sintomas relacionados com a insónia.
Os investigadores identificaram os períodos em que os problemas de sono nos doentes eram mais pronunciados. Conforme medido pelo dispositivo, o tempo passado na cama “diminuiu nas primeiras sete semanas (isto é, passou de 9,3 horas/dia na semana 1 para 8,5 horas/dia na semana 8) e aumentou posteriormente para valores semelhantes aos registados na semana 1 (9,0 horas/dia na última semana de tratamento)”. O horário e a regularidade do sono não se alteraram.
Quanto à análise estatística da pontuação da avaliação subjectiva, esta corroborou os resultados obtidos com o dispositivo: “Aproximadamente 33%, 63% e 73% [das doentes] relataram ter sintomas de insónia na semana 1, 8 e 15”, indicando “períodos críticos durante o tratamento em que os doentes eram vulneráveis às perturbações do sono”.
“No futuro, os estudos devem concentrar-se em intervenções destinadas a mitigar as perturbações do sono e capazes de melhorar o bem-estar dos doentes e a sua qualidade de vida em geral”, concluem os autores.
“O exercício físico é considerado uma potencial estratégia para atenuar os padrões de perturbação do sono”, diz Carla Malveiro. No entanto, ressalta, “um obstáculo ao avanço da compreensão do sono nos doentes com cancro é a falta de medições mais objectivas, que possam fornecer informações mais precisas e detalhadas sobre o sono”. Este estudo é um primeiro passo para superar esse obstáculo.
Artigo original aqui.
Texto de Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.