06 Janeiro 2022

Doutorados do Champalimaud Research 2021

Concluir um PhD na Champalimaud Research é uma aventura e tanto ... Da conetividade do cérebro à recetividade sexual, das apresentações desastrosas às lutas com pistolas de água, seis dos estudantes que se doutoraram em 2021 partilham parte da sua experiência no Centro Champalimaud.

Doutorados do Champalimaud Research 2021
Francisco Romero

 

Qual a questão que esteve na origem da sua tese e quais as conclusões a que chegou?

A minha pergunta original era "Como podemos ler os estados mentais a partir de expressões faciais?" No entanto, alguns meses após a apresentação do tema, o meu projeto de doutoramento mudou 180 graus e a pergunta final acabou por ser "Como o deep learning pode ajudar a compreender o comportamento coletivo, no peixe-zebra?" Descobrimos que o deep learning é uma ferramenta muito poderosa e que, se usada num contexto em que conhecemos bem a estrutura do problema, pode ser extremamente útil. Em particular, não só descobrimos que as redes neurais convolucionais podem distinguir, em simultâneo, até 150 animais diferentes, como podem ser treinadas de maneira autossupervisionada (técnica de aprendizagem) para, usando características visuais, seguir os animais, a partir de vídeos. Na segunda fase do meu doutoramento, combinámos o nosso novo método para seguir os animais com redes neurais de deep attention e assim prever o comportamento de peixes em grandes grupos.

Pode partilhar connosco um momento memorável que tenha vivido na Fundação Champalimaud? 

Depois de tantos anos na Fundação, tenho dificuldade em escolher um só momento. Muitos dos que me vêm à memória estão relacionadas com os diferentes momentos sociais organizados ao longo destes anos (retiros, beer hours, festas de inverno e verão, Eventos da iniciativa Ar | Respire Connosco, jogos de basquetebol e voleibol, ensaios de música...).  Isto realmente faz-me acreditar que, para além de ser um ótimo lugar para fazer ciência, a Champalimaud Research é sem dúvida um lugar único, com uma comunidade única que tem uma vontade especial de criar momentos memoráveis. A minha esperança é que nos próximos anos, muitos desses eventos sociais, que desapareceram durante a pandemia, sejam recuperados para o bem da comunidade.

Quais são os seus planos após o doutoramento?

Durante alguns meses, após ter defendido a minha tese, permaneci no laboratório para terminar alguns projetos e passar o conhecimento que adquiri aos novos membros do laboratório. Mas, depois de todos estes anos maravilhosos, o meu tempo na Fundação Champalimaud chegou ao fim. Com a pandemia, percebi que quero estar mais próximo da minha família que vive Espanha. Por isso, no próximo ano, começarei a trabalhar como Cientista de Dados, lá. Esse trabalho vai permitir-me trabalhar remotamente grande parte do tempo e tenho a sensação que também me dará mais tempo para me dedicar às minhas outras duas paixões: a música e a fotografia. 

Eliane Carvalho

 

Qual a questão que esteve na origem da sua tese e quais as conclusões a que chegou?

O objetivo principal do meu trabalho consistiu em encontrar os neurónios que, no cérebro da fêmea da mosca-da-fruta, modelam a sua recetividade e testar se a sua manipulação afeta, de alguma forma, o comportamento das fêmeas. Na minha investigação descobri um novo conjunto de neurónios que são necessários para que as fêmeas sejam recetivas a um macho que lhes está a fazer a corte e que o inibir desses neurónios induz as moscas a fugirem do macho, acelerando a marcha, parando menos ou saltando mais. O meu trabalho também indica que a canção da corte pode ter um duplo papel no comportamento da fêmea, primeiro ao induzi-las a aumentar a velocidade, o que lhes dá tempo para avaliar as qualidades do macho e, em seguida, ao retardá-las e fazendo-as parar para que a cópula possa ocorrer. O meu trabalho apresenta novas possibilidades de como a recetividade da fêmea é modelada e abre novos caminhos para investigações futuras.

Pode partilhar connosco um momento memorável que tenha vivido na Fundação Champalimaud?

Nesta questão tive que pensar um pouco mais…  Fez-me pensar em todo o meu percurso na Fundação Champalimaud. Tenho o prazer de guardar alguns momentos memoráveis ​​... todos os tipos! Alguns tristes, alguns felizes, alguns constrangedores ... alguns de pura alegria e emoção. É muito difícil escolher um (entre aqueles que posso contar ), por isso vou contar-vos sobre o primeiro dia em que entrei no Centro Champalimaud. Se não me falha a memória, foi em agosto de 2014, para uma entrevista com a Luísa e passar o dia com os colegas  do laboratório de Comportamento Inato . Eu estava entusiasmada e com medo ao mesmo tempo, sentia um frio na barriga, suor e frio nas mãos... Estava muito nervosa ! Mas, quando cheguei ao piso de investigação em Neurociências (o único na época), só pensei: "Deve ser ótimo trabalhar num lugar como este!". Não pela intelectualidade do local ou pela qualidade da investigação feita no Centro, de que tinha ouvido falar mas não tinha conhecimento profundo; foi a luz do edifício que me cativou, a luz natural que penetra em todos os ângulos da Fundação Champalimaud. Felizmente fui aceite e passei sete anos maravilhosos como parte da comunidade do Centro Champalimaud…

Quais são os seus planos após o doutoramento?

Sou angolana e há muito tempo que desejo regressar ao meu país para dar o meu contributo para a melhoria da qualidade de vida do povo angolano, ainda que seja um pequeno contributo. Com a pandemia, tive de colocar os meus objetivos e planos em perspetiva e estou a tirar partido desta fase para pensar com cuidado e procurar oportunidades que me permitirão alcançar os meus objetivos, direta ou indiretamente. Enquanto isso, estou a fazer cursos online para complementar o meu currículo em tópicos que sinto que estão em falta. Talvez o meu caminho não seja tão linear quanto eu idealizava, mas tenho a certeza que vou chegar lá.

Hedi Young

 

Qual a questão que esteve na origem da sua tese e quais as conclusões a que chegou?

Muito permanece desconhecido sobre a organização das conexões no córtex - a camada externa enrugada do nosso cérebro responsável por funções que vão desde a perceção e cognição até à memória e ação voluntária.

Encontrámos evidências de que o córtex visual do ratinho funciona em loops de longo alcance, isto é, as células desta área projetam para uma outra área do córtex e recebem em troca informação preferencial dessa mesma área, como se dissessem "Fala comigo e eu  responder-te-ei".

Esses loops inter-áreas mostram uma especificidade notável, muitas vezes envolvendo misteriosas ramificações que certos tipos de células nas camadas profundas do córtex estendem para a superfície do cérebro.

Pode partilhar connosco um momento memorável que tenha vivido na Fundação Champalimaud? 

Poder fazer uma apresentação durante o evento Ar | Respire Connosco, que co-organizei com a Victoria Brugada e o Nuno Loureiro, sobre um dos meus temas preferidos: comida. A apresentação explorava como as nossas diferenças biológicas podem ser responsáveis ​​pelas nossas diferentes preferências alimentares e foi inspirada pelo facto de vários indivíduos notáveis ​​que conheci na Champalimaud me terem confessado não gostar de chocolate, mesmo depois de eu lhes pedir para experimentarem uma barra do meu chocolate favorito da loja Bettina & Niccolò Corallo, em Lisboa!
 
Outro momento memorável foi fazer com que o meu supervisor de doutoramento, Leopoldo Petreanu, mordesse um disco rígido para o vídeo promocional da paródia “Zebrafish Tank” que realizei com o Roberto Medina para um de nossos retiros anuais.

Quais são os seus planos após o doutoramento?

Antes do meu doutoramento, trabalhei em publicidade e cinema de documentário e, depois do meu PhD, fiz questão de combinar a minha experiência em comunicação com a  investigação. Agora trabalho como Editor de Conteúdo Digital e de Redes Sociais na Fundação Champalimaud.

Raphael

 

Qual a questão que esteve na origem da sua tese e quais as conclusões a que chegou?

Durante o meu doutoramento, investiguei a atividade dos neurónios no córtex auditivo, no contexto de tomada de decisão sensorial. Para tal, treinámos ratinhos para distinguir sons de alta e baixa frequência e gravámos a atividade dos neurónios do córtex auditivo. Descobrimos que esses neurónios não só refletiam os sons que eram apresentados aos animais, como também previam a sua decisão - quase um segundo antes dos animais demonstrarem essa mesma decisão.

Além disso, também investigámos a atividade neural espontânea na ausência de som. Curiosamente, descobrimos que o grau de sincronização entre a população neural previa o nível de precisão da tarefa seguinte, mas apenas se a decisão da tarefa anterior tivesse sido errada. Estamos agora a testar uma hipótese para explicar esta observação. Suspeitamos que, embora realizem bem a tarefa, os ratinhos não precisam do envolvimento do córtex. No entanto, quando cometem um erro, o seu córtex auditivo pode ser necessário para os ajudar a "reorientarem-se".

Pode partilhar connosco um momento memorável que tenha vivido na Fundação Champalimaud?

Ao longo do programa de doutoramento, consigo recordar-me de muitos momentos especiais e memoráveis​​. No entanto, talvez um dos que mais marcou o início da minha jornada aconteceu durante o primeiro retiro CR em que participei. Embora eu já tivesse participado em retiros de outros programas, fiquei profundamente impressionado com a atmosfera que aquele grupo de pessoas havia conseguido criar entre si. Eu estava habituado à existência de uma certa hierarquia entre alunos, pós-doutorados e PIs, no entanto, no retiro CR, a atmosfera era relaxada, familiar e a hierarquia horizontal - criando um ambiente aberto e muito acolhedor e uma comunidade que mais parecia uma grande família. No final do retiro, ao nascer do sol, após uma longa noite de conversas, risos e danças, todos, incluindo o PI que mais tarde viria a ser meu chefe, terminaram a noite a saltar juntos para a piscina. Foi naquele momento que percebi que teria muito orgulho em me juntar àquela família. E apesar do doutoramento ser uma jornada longa e muitas vezes frustrante, com PIs por vezes exigentes, e geralmente baseado no esforço, resiliência e persistência, mais do que festas, aquela premonição acabou por se revelar bastante verdadeira.

Quais são os seus planos após o doutoramento?

Depois de ter terminado o meu doutoramento, comecei um novo projeto de pós-doutoramento na Fundação Champalimaud, no qual investigo a robustez das representações do som no córtex auditivo de ratinhos, face a perturbações optogenéticas e os seus mecanismos subjacentes.

Silvana Araújo

 

Qual a questão que esteve na origem da sua tese e quais as conclusões a que chegou?

Queríamos compreender melhor o comportamento sexual masculino e qual o papel que a dopamina desempenha. A descrição detalhada desse comportamento em ratinhos levou-nos a sugerir um novo estado comportamental que prevê a ejaculação iminente, a que chamamos de estado de comprometimento. Também investigámos a libertação de dopamina durante a execução do comportamento sexual masculino em ratinhos e obtivemos resultados interessantes que nos levaram a sugerir um papel “não tão clássico” para a dopamina. A nossa proposta é que, em vez de representar recompensas imprevisíveis (que é a função clássica dos neurónios dopaminérgicos do mesencéfalo), a atividade desses neurónios durante o comportamento sexual masculino pode refletir a execução de ações motoras que auxiliam o animal a aproximar-se do seu ponto homeostático.

Pode partilhar connosco um momento memorável que tenha vivido na Fundação Champalimaud? 

Tenho dois momentos que (espero) ficarão comigo para sempre ...
O meu primeiro retiro anual, especialmente a festa do último dia. Era suposto envolver jogos de obstáculos ao estilo romano, mas acabou por ser a mais hilariante guerra de pistolas de água da história. Ainda tenho uma pequena cicatriz para provar isso mesmo.
E ainda um incidente que aconteceu no meu laboratório (que rapidamente evoluiu para todo o Open Lab), envolvendo um aluno de Mestrado e uma pequena quantidade de óleo de alho. Digamos apenas que o Open Lab ficou a cheirar a pão de alho por uns bons dois dias. O recipiente de óleo de alho foi incinerado e o aluno de Mestrado ganhou um novo título: Mestre do Alho (MGa).

Quais são os seus planos após o doutoramento?

Aproveitar um pouco o meu tempo livre e passá-lo sem “sentimentos de culpa" com as  minhas filhas e a minha agulha mágica (não ao mesmo tempo). Também estou a gostar do meu novo desafio no VectorB2B CoLab, como cientista de modelos in vivo, onde estou a auxiliar na implementação da primeira unidade in vivo de BPLLP (Boas Práticas Laboratoriais) em Portugal, e estou a dar os primeiros passos na criação de conteúdos e marketing digital. 

Dario Sarra

 

Qual a questão que esteve na origem da sua tese e quais as conclusões a que chegou?

Durante o meu doutoramento, investiguei o processo de tomada de decisão em ratinhos que estavam envolvidos numa tarefa de procura de comida. Procurámos entender a base computacional e neurológica de como os animais representam o estado do ambiente e decidem quando é hora de deixar um patch em favor de outro. Em particular, encontrámos evidências de que o neuromodulador serotonina é responsável por o animal continuar a insistir no mesmo patch (persistência de equilíbrio) ou por mudar para um patch alternativo em resposta a tentativas mal sucedidas de procura/exploração/forrageamento (flexibilidade).

Pode partilhar connosco um momento memorável que tenha vivido na Fundação Champalimaud? 

Uma memória que gosto de partilhar é a da primeira vez que fiz uma apresentação numa lab meeting do nosso grupo. Na altura eu era técnico de investigação, e tinham passado cerca de 10 dias desde que me mudara para Lisboa. Para simplificar, digamos que correu tudo muito, muito mal. A pergunta da minha investigação era quase ininteligível e os enredos e estatísticas eram rudimentares e pouco claros. No entanto, é uma memória que prezo muito, porque me lembra que o que realmente importa não é o quanto as nossas capacidades se comparam às dos outros, mas sim o quão importante é entendermos o que precisamos melhorar e esforçar-nos para o conseguir. Se formos pacientes connosco mesmos e conseguirmos receber as críticas de maneira positiva, o doutoramento pode tornar-se uma oportunidade única de crescimento.

Quais são os seus planos após o doutoramento?

Vou continuar na academia, e começar um pós-doutoramento na University of Oxford no laboratório do Prof. Mark Walton.

Por Liad Hollender, Science writer e editora da equipa de Comunicação, Outreach e Eventos do Centro Champalimaud.
Ilustrações de Carla Emilie Pereira, Designer da equipa de Comunicação, Outreach e Eventos do Centro Champalimaud.

Com vontade de fazer parte do nosso programa internacional de doutoramento em neurociência e cancro, na luminosa cidade de Lisboa?

Saibam mais aqui.

Doutorados do Champalimaud Research 2021
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