Substâncias psicadélicas como a psilocibina (encontrada nos ‘cogumelos mágicos’), MDMA (mais conhecida como ‘ecstasy’), LSD (conhecida como ‘ácido’) e ayahuasca mostraram potencial no tratamento de perturbações depressivas, perturbação de stress pós-traumático, dependência de substâncias, entre outras. Estas substâncias psicadélicas podem induzir experiências psicológicas profundas que, quando combinadas com psicoterapia – uma forma de tratamento psicológico – têm sido propostas como capazes de trazer benefícios terapêuticos significativos.
Porquê Agora?
Apesar do interesse crescente e intensa cobertura mediática, até à data, nenhuma grande agência reguladora aprovou os psicadélicos para uso médico específico. O acesso a estes tratamentos permanece limitado a ensaios clínicos, prescrições off-label ou programas de acesso especial. À medida que a investigação continua, há uma necessidade premente de estabelecer consenso sobre as melhores práticas, particularmente no que diz respeito às sessões de terapia que acompanham o uso de substâncias psicadélicas.
A urgência de haver descrições mais padronizadas das intervençőes psicoterapêuticas tornou-se mais evidente à luz de decisões regulamentares recentes. Especificamente, no verão de 2024 a Food and Drug Administration (FDA) nos EUA recusou a aprovação da terapia assistida por MDMA para a perturbação de stress pós-traumático, numa decisão que se pensa ser devida, pelo menos em parte, a preocupações sobre a forma como a psicoterapia foi administrada nos estudos apresentados à FDA. À medida que surgem mais estudos sobre tratamentos assistidos por psicadélicos, é essencial garantir que a componente psicoterapêutica seja relatada de forma clara e consistente, para o avanço e aceitação desses tratamentos.
O Outro “P”
Embora a psicoterapia seja frequentemente considerada o “P” menos importante na psicoterapia assistida por psicadélicos (PAP), esta pode ser central para o tratamento, com questões-chave ainda sem resposta sobre o seu papel exato nos resultados dos doentes e as melhores formas para a conduzir. O estudo agora publicado na revista The Lancet Psychiatry sublinha a existência de descrições inconsistentes das sessões de terapia de suporte – também conhecidas como intervenções psicológicas – o que dificulta a replicação dos estudos e pode comprometer o bem-estar dos doentes.
“Temos uma oportunidade real de elevar os padrões de investigação em todos os tratamentos que combinam psicoterapia e medicação”, segundo Albino Oliveira-Maia, Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria na FC e um dos autores do estudo. “Ao prestar maior atenção à componente psicoterapêutica – tanto no desenvolvimento de protocolos de tratamento, como na publicação dos resultados dos ensaios – podemos melhorar a replicabilidade, a segurança e a efetividade potencial destas terapias, e formar terapeutas de forma mais adequada”.
Limitações nas Descrições
Os investigadores realizaram uma revisão sistemática de 45 estudos envolvendo 1.464 participantes para avaliar quão bem as intervenções psicológicas foram relatadas. Para isso, usaram uma versão adaptada da Template for Intervention Description and Replication (TIDieR) checklist – uma ferramenta criada para garantir que os estudos forneçam detalhes suficientes para que outros possam replicar as suas intervenções com precisão.
A revisão revelou que há uma grande variabilidade nas intervenções psicológicas entre os diferentes estudos e que estas foram muitas vezes mal descritas. Além disso, em muitos dos estudos foi detetada a ausência de informações detalhadas sobre a configuração do modelo terapêutico, as qualificações dos terapeutas e as técnicas específicas utilizadas. Detalhes importantes, como o número de sessões de terapia – fundamental para determinar a quantidade de terapia necessária para um tratamento eficaz – foram frequentemente omitidos.
Embora se saiba que a qualidade da relação entre doente e terapeuta tem impacto na eficácia da psicoterapia, muitos outros fatores menos estudados também podem desempenhar um papel importante nos resultados dos doentes. De acordo com a primeira autora Carolina Seybert “Por exemplo, medir a adesão do terapeuta – até que ponto os terapeutas seguem os protocolos de tratamento – é essencial para garantir a segurança e a eficácia. No entanto, monitorizar a adesão é um processo dispendioso e demorado, pelo que é frequentemente esquecido/negligenciado. Como resultado, não podemos ter certeza de que a terapia foi administrada conforme pretendido, o que dificulta a interpretação dos resultados”.
“Apercebemo-nos que os estudos sobre MDMA, ao contrário daqueles sobre psilocibina ou ayahuasca, tinham relatórios de maior qualidade uma vez que frequentemente usavam o mesmo manual de tratamento padronizado”, explica Carolina Seybert, que tem vindo a aplicar ferramentas de investigação para padronizar descrições de psicoterapia desde o seu doutoramento. “Os nossos resultados sugerem que ter diretrizes claras pode melhorar a forma como as intervenções são relatadas. Esta abordagem poderia não só ajudar-nos a compreender quais as intervenções psicológicas que funcionam melhor para perturbações mentais específicas, como também permitir-nos realizar PAP de uma forma que maximize a sua replicabilidade em contextos do mundo real”.
Preencher Lacunas
“A concretização do potencial dos tratamentos assistidos por psicadélicos requer um esforço sério para melhorar os padrões de descrição das estratégias terapêuticas, e estabelecer protocolos claros e baseados na evidência”, explica Carolina Seybert. “Estes padrões podem orientar os profissionais clínicos e as respectivas ordens profissionais na definição do treino, competências e experiência necessárias para administrar os tratamentos de forma segura e efetiva. Isto irá aprimorar estudos futuros e, ao mesmo tempo, apoiar as agências reguladoras nas suas avaliações”.
Albino Oliveira-Maia acrescenta: “A boa notícia é que os padrões de descrição dos tratamentos já estão a melhorar – os estudos mais recentes sugerem isso mesmo. Se esta tendência continuar, e for reforçada, é mais provável que as autoridades reguladoras tenham os dados de que necessitam para tomar decisões informadas. Isto irá não só beneficiar a investigação, como garantir que os doentes recebam cuidados da mais alta qualidade e que a prestação de cuidados seja mais equitativa”.
Artigo original aqui here.
Imagem por Sean Sinclair.
Texto de Hedi Young, Science Writer and Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach e Catarina Ramos Coordenadora da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach.
Traduzido por Catarina Ramos, Coordenadora da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach.