Rita Fior, líder do Grupo de Desenvolvimento do Cancro e Evasão do Sistema Imunitário Inato da Fundação Champalimaud (FC), estuda há vários anos o poder dos "Avatares" de peixe-zebra, ou zAvatars, de doentes com cancro para ajudar a orientar as decisões terapêuticas. O objetivo: testar previamente as terapias que estão disponíveis para cada doente, permitindo assim a seleção do melhor tratamento disponível para cada doente, evitando terapias ineficazes e efeitos tóxicos desnecessários.
A ideia por detrás dos zAvatars é bastante simples e consiste em injectar células tumorais de cada doente em embriões de peixe-zebra, transformando efectivamente estes embriões em "Avatares" desse doente oncológico específico. De seguida, as várias opções de tratamento disponíveis para esse doente podem ser administradas aos zAvatars, de modo a escolher a mais eficaz. Esta abordagem tem a vantagem de fornecer resultados mais rapidamente – numa questão de dias, em vez de meses ou várias semanas – do que utilizando ratinhos (o método convencional) ou mesmo organóides tumorais.
Em 2017, Fior e uma equipa multidisciplinar de colegas da FC e de outras instituições realizaram um estudo de validação desta abordagem, tendo demonstrado que o método dos zAvatars era de facto um modelo viável e promissor (http://magazine.ar.fchampalimaud.org/zebrafish-larvae-could-be-used-as-…).
Agora, num estudo clínico substancialmente maior – no qual participaram 55 doentes com cancro colorrectal (CCR) do Centro Clínico Champalimaud e do Hospital Fernando Fonseca – publicado dia 5 de junho, na revista Nature Communications, a equipa de Fior e colegas desenvolveram o que chamam de "teste zAvatar". E concluem que este teste tem uma precisão de 91% na previsão da resposta de um doente a uma determinada quimioterapia.
A importância de escolher a melhor opção terapêutica
Os doentes com cancro colorrectal recebem normalmente quimioterapia para controlar as metástases tumorais ou, após a cirurgia inicial ao tumor, para reduzir as probabilidades de recidiva. Mas, escrevem os autores no seu novo estudo, actualmente "os doentes com cancro passam frequentemente por ciclos de tentativa-e-erro para encontrar o tratamento mais eficaz, porque não existe nenhum teste, na prática clínica, que permita prever de antemão qual a terapia mais eficaz para aquele doente". É aqui que os zAvatars entram em cena.
Neste novo trabalho, os investigadores fizeram um estudo com 55 doentes. Foram gerados zAvatars de cada doente e depois foram tratados exactamente com a mesma terapia do seu doente - o objectivo do estudo era ver se os zAvatars conseguiam prever se o doente ia responder ou não ao tratamento. Os resultados foram incríveis - o zAvatar teste demonstrou uma precisão de 91%.
A análise estatística realizada pela equipa mostrou que três variáveis constituem os factores mais importantes para prever a resposta dos doentes ao tratamento: o estadio do tumor do doente, o aumento da morte celular (em inglês, "apoptosis fold change") e o potencial metastático do tumor nos zAvatars.
"Ao comparar individualmente as respostas clínicas de 55 doentes com o teste zAvatar, desenvolvemos um modelo de algoritmo de decisão que integra estas três variáveis", afirma Bruna Costa, primeira autora do artigo. O resultado: o teste previu os resultados dos doentes em 91% dos casos.
O teste zAvatar melhora substancialmente quando, para além de se ter em conta apenas a resposta ao tratamento, o modelo incorpora as características biológicas das células tumorais, tais como o potencial de formação de micrometástases, observam os investigadores.
É importante notar que o tempo de sobrevivência sem progressão da doença foi "significativamente mais longo nos doentes cujo zAvatar era sensível ao tratamento do que nos doentes cujo zAvatar era resistente ao tratamento", observam também.
“Isto mostra que ‘dar o tratamento certo ao doente certo no tempo certo’ tem o potencial de alterar realmente o seu prognóstico. E é este o nosso objetivo: ter um teste que ajude a orientar e a optimizar as decisões clínicas de uma forma verdadeiramente personalizada", afirma Rita Fior.
"No seu conjunto, os nossos resultados mostram que o teste zAvatar, realizado num prazo de 10 dias, tem um valor preditivo excepcional em termos de medicina personalizada", concluem os investigadores no seu artigo.
A equipa já está a preparar o próximo passo, considerado crucial para introduzir o teste zAvatar na prática clínica: a realização de um ensaio clínico randomizado para demonstrar o benefício clínico da utilização do teste. Neste ensaio, as decisões terapêuticas baseadas no zAvatar irão ser comparadas com as escolhas dos médicos seguindo o padrão tradicional (standard of care).
Publicação científica original aqui.
Texto de Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
Legenda da Imagem: Células tumorais de doente (magenta), injectadas no peixe-zebra, com os vasos sanguíneos a verde.
Créditos: Bruna Costa