01 Abril 2021

Imagiologia pré-operatória pode reduzir o risco de incontinência após remoção de cancro da próstata

A remoção de cancros da próstata localizados, capaz de salvar vidas, pode ter um custo: a incontinência urinária. Esta situação poderá estar prestes a melhorar, conclui um novo estudo.

Imagiologia pré-operatória pode reduzir o risco de incontinência após remoção de cancro da próstata

A remoção cirúrgica total da próstata é o tratamento mais frequente do cancro da próstata quando o tumor é localizado (isto é, quando não alastrou para fora da próstata).

Hoje em dia, a cirurgia pode ser realizada por laparoscopia assistida por robô, uma técnica minimamente invasiva e precisa. Contudo, a incontinência urinária continua a ser uma das principais potenciais complicações desta cirurgia que, em 6% a 8% dos doentes operados, causa danos aos nervos e aos músculos da bexiga, da uretra e dos esfíncteres uretrais. Isso deve-se ao facto de a próstata estar situada imediatamente debaixo da bexiga e em torno da uretra, dificultando a distinção visual, ao nível microscópico, entre o tecido urinário e o prostático – o que faz com que nem sempre seja possível poupar totalmente o primeiro durante a ablação do segundo. 

A incontinência urinária tem um grave impacto sobre a qualidade de vida. E quando o problema não fica espontaneamente resolvido no primeiro ano após a cirurgia, pode ser necessário recorrer a outros tratamentos, incluindo uma segunda cirurgia destinada a introduzir um esfíncter uretral artificial.

Agora, uma equipa da Fundação Champalimaud, em Lisboa, acaba de mostrar que uma técnica avançada de imagem por ressonância magnética, a DTI (Diffusion Tensor Imaging), poderá ser utilizada para prever, antes de realizar a cirurgia, a probabilidade de cada doente individual com cancro da próstata vir a sofrer de incontinência urinária pós-operatória de longo prazo. Os resultados deste trabalho foram recentemente publicados na revista Insights into Imaging.

“Embora os novos procedimentos de prostatectomia assistida por robô reduzam as hipóteses de complicações pós-operatórias”, diz o Dr. Nickolas Papanikolaou, o bioengenheiro e doutorado em medicina que liderou o novo estudo e está à frente do Grupo de Investigação em Imagiologia Clínica Computacional da Champalimaud Research, “durante a prostatectomia, as fibras dos esfíncteres proximal e distal de uma percentagem significativa de doentes ficam danificadas. O estudo destas estruturas antes da cirurgia poderá fornecer um método quantitativo para prever a taxa de recuperação pós-operatória da continência.” 

“Tanto quanto sabemos”, acrescenta o Dr. Papanikolaou, “o nosso estudo é o primeiro a demonstrar a utilidade de recorrer à DTI, antes de realizar a laparoscopia assistida por robô, para visualizar, mapear e medir as propriedades das microestruturas do complexo esfincteriano uretral de cada doente, numa população de doentes com cancro da próstata que são candidatos à cirurgia.”

Estudos anteriores já tinham mostrado que a DTI (que tem sido principalmente utilizada para obter imagens das ligações nervosas no cérebro) permitia obter imagens do complexo esfincteriano uretral em jovens homens saudáveis. Mas ao contrário dos participantes naqueles estudos, 99% dos doentes com cancro da próstata têm mais de 50 anos. Isso significa que os tecidos dos seus órgãos são mais susceptíveis de terem sofrido os efeitos do envelhecimento, bem como alterações morfológicas relacionadas com o tumor – o que coloca desafios adicionais em termos de visualização.

Utilizando a DTI, Ana Verde (do grupo do Dr. Papanikolaou) e os seus colegas reconstruíram imagens das fibras do complexo esfincteriano uretral masculino em 28 doentes com cancro da próstata (idade mediana 64,5 anos) que iam ser submetidos à laparoscopia na Unidade de Urologia do Centro Clínico Champalimaud. Mais precisamente, a equipa mostrou que esta técnica de imagem, aliada a um algoritmo de determinação da trajectória das fibras (fiber-tracking), lhes permitia distinguir os tecidos dos esfíncteres e da uretra dos tecidos da próstata.  

“Conseguimos provar que é possível utilizar a DTI, uma técnica não invasiva, realizada in vivo, para visualizar e quantificar, antes da cirurgia, as propriedades do complexo uretral de cada indivíduo em termos de integridade, direccionalidade e densidade das fibras”, explica o Dr. Papanikolaou. “Além disso, a obtenção de uma sequência de imagens de DTI suficiente para conseguir uma boa resolução visual das fibras apenas acrescenta cinco minutos à duração total de uma sessão standard de ressonância magnética.”

“Os próximos passos consistirão em estudar se a idade influencia as medições dos esfíncteres por DTI, de forma a correlacionar essas medições (tais como a integridade, a direccionalidade e a densidade das fibras) com a avaliação pós-cirúrgica da incontinência. E também, para testar a reprodutibilidade da técnica. Poderemos então usar as medições por DTI para desenvolver um modelo capaz de prever a taxa de recuperação pós-cirúrgica da continência”, conclui o Dr. Papanikolaou.

Em última análise, o método poderá guiar doentes e clínicos na escolha da melhor opção terapêutica individualizada – incluindo técnicas não cirúrgicas –, de forma a garantir ao mesmo tempo a precisão da remoção do tumor e a preservação da qualidade de vida do doente. 

Por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.

Link para o artigo original.

 

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Representação tridimensional dos esfíncteres proximal e distal e da uretra membranosa (segmento da uretra exterior à próstata). As cores representam informação relativa às propriedades biomecânicas das fibras musculares, extraída das imagens de DTI.

 

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