06 Outubro 2025
Juan Álvaro Gallego
(Re-)Conectando o Cérebro e Movimento
06 Outubro 2025
(Re-)Conectando o Cérebro e Movimento
Embora ainda contemple o cosmos com admiração – e confesse que o seu podcast favorito é o Mindscape, de Sean Carroll – foi a sua curiosidade pela engenharia de sistemas, robótica e eletrónica que o levou inesperadamente à neurociência.
Juan Alvaro Gallego, Professor Associado no Imperial College London, junta-se agora ao novo Centro de Neurotecnologia Regenerativa (CRN) na Fundação Champalimaud (FC), para investigar como o cérebro controla o movimento, combinando investigação fundamental com tecnologias de ponta.
Nesta entrevista, Juan partilha a sua visão de um laboratório onde a criatividade impulsiona o progresso científico e o diálogo entre a ciência, a arte e a experiência humana ocupa um lugar central.
Sou natural de León, uma pequena cidade no noroeste de Espanha, na província de Leão, e não na Galiza, apesar do meu apelido «Gallego» – que significa «alguém da Galiza».
O que me levou à ciência? Lembro-me de ter ficado muito intrigado com um livro que li no ensino secundário, «Uma Breve História do Tempo», de Stephen Hawking. Achei-o absolutamente fascinante, então comecei a alternar entre os meus livros habituais de ficção e poesia e livros de divulgação científica sobre cosmologia e física teórica – recordo que isto foi antes da era da Internet –, foi assim que comecei a pensar na ideia de me tornar um físico. No entanto, vindo de uma cidade bastante pequena, cedo aprendi a ser pragmático, pelo que fiz a mim mesmo perguntas práticas sobre a vida, como por exemplo, «Será que algum dia encontrarei um emprego na academia como físico teórico?». Não estava convencido.
Então, considerei a ideia de me tornar arquiteto – já que queria uma profissão que combinaria as dimensões técnica e criativa – mas naquela época essa área estava em declínio devido à bolha imobiliária na Espanha, então ’contentei-me’ e segui para engenharia. Hoje, tudo isto parece irónico, considerando como minha carreira se desenvolveu!
No início foi um pouco por acaso, mas fiquei imediatamente fascinado. À medida que me formava para ser engenheiro, sentia-me cada vez mais atraído por sistemas de controlo, eletrónica e robôs que interagem com o mundo físico.
Durante o meu último ano de ensino superior, candidatei-me ao programa Erasmus para ter uma experiência no estrangeiro – a engenharia e ciência podem ser difíceis, é por isso as manter divertidas – e fui para a Universidade de Montpellier 2, em França, onde me juntei a um grupo com muita experiência em bioengenharia: o Laboratório de Ciência da Computação, Robótica e Microeletrónica de Montpellier (Laboratoire d’Informatique, de Robotique et de Microélectronique de Montpellier). Lá, optei por estudar o tremor humano, e foi assim que tudo começou: lendo a literatura, conversando com neurologistas e engenheiros da área, compreendendo as ligações importantes entre o que eu tinha estudado na Universidade e as aplicações tecnológicas em neurologia e neurotecnologia. Durante esses meses, o meu objetivo passou a ser compreender o movimento humano e como restaurá-lo em condições como a doença de Parkinson ou o tremor essencial.
Tudo isto levou-me a fazer o doutoramento com um grupo do Conselho Nacional de Investigação Científica (CISC) em Madrid, que desenvolve soluções para atenuar o tremor humano. Concentrei-me no desenvolvimento de um sistema de circuito fechado que neutraliza o tremor usando estimulação elétrica dos músculos, que era aplicada através de elétrodos adesivos e ajustada online com base nos sintomas do doente.
Durante os meus anos de doutoramento, estava muito entusiasmado com o desenvolvimento de soluções de engenharia para combater o tremor, mas também me interessei pelos processos neurais que causam o tremor. Assim, enquanto ainda estava envolvido no meu trabalho de engenharia, cultivei a minha curiosidade pelo tremor, perturbações do movimento, controlo motor e o cérebro em geral. No final do meu doutoramento, passei vários meses no laboratório de Dario Farina, na Dinamarca, onde adquiri experiência em técnicas de registo de motoneurónios* na medula espinal humana. Este estudo acabou por se tornar o meu primeiro projeto de investigação em neurociência, onde me concentrei em descrever as propriedades dos motoneurónios de pessoas com tremores e compreender como estas mudam entre condições – desde manter uma postura até descansar o braço – para definir melhor o que causa os tremores.
Após esta experiência, recebi uma bolsa de pós-doutoramento Marie Skłodowska-Curie Actions para ingressar no laboratório de Lee Miller na Northwestern University, nos Estados Unidos (EUA), onde trabalhei com interfaces cérebro-computador em primatas. O meu trabalho centrou-se no registo de atividade neural da principal área do córtex envolvida no controlo dos nossos membros, o córtex motor, com o objetivo de “decodificar” – ou seja, inferir – os detalhes do movimento do macaco, que iam então ser provocadas pela estimulação elétrica dos músculos, a mesma técnica que eu tinha usado em doentes com tremores durante o meu doutoramento. Esta abordagem é hoje usada por outros grupos nos EUA para restaurar o uso das mãos em doentes paralisados.
Ainda há uma longa história para contar sobre o que aconteceu desde então, mas pode dizer-se que o meu foco tem sido usar a neurociência para compreender como o cérebro controla o movimento e a engenharia para ajudar a restaurá-lo.
* Os motoneurónios são as células da nossa medula espinal que fazem os músculos contraírem-se, gerando pequenos impulsos elétricos; é também por isso que os nossos músculos se contraem quando colocamos os dedos numa tomada elétrica (não tentem fazer isso em casa ou em qualquer outro lugar!).
Conheço a FC há já algum tempo, através de várias pessoas e, claro, através dos resultados da sua investigação em várias áreas que me interessam. Lembro-me também de ter participado no Simpósio da Champalimaud Research de 2018 como pós-doutorado e de ter ficado impressionado com a comunidade neurocientífica, com o evento em si e com o local.
Quando ouvi falar do CRN – este novo centro na intersecção entre a neurociência de sistemas e a neurociência mais aplicada –, senti que era a oportunidade perfeita para um novo capítulo na minha história. Estou muito entusiasmado por colaborar com os diferentes laboratórios e plataformas da FC como parte desta nova jornada.
Em primeiro lugar, preciso reconhecer os excelentes mentores que tive a sorte de ter ao longo dos anos: Eduardo Rocon, durante o meu doutoramento, e Lee Miller e Sara Solla, durante o meu pós-doutorado.
Inspirando-me muito no estilo de mentoria deles, e com base no que conseguimos construir no meu laboratório no Imperial College London, acredito sinceramente que o sucesso na ciência depende de indivíduos apaixonados, curiosos e determinados a perseguir objetivos de longo prazo, apesar dos desafios. Na FC, continuarei aberto a novas ideias de projetos, alinhando os interesses das pessoas com as minhas próprias questões de investigação ou explorando novas direções em conjunto. Incentivo a autonomia, a criatividade, o pensamento crítico e o rigor, ao mesmo tempo que apoio os membros do laboratório como um guia na sua jornada científica.
Quero abranger todo o espetro da investigação e desenvolvimento e replicar uma espécie de ciclo de feedback positivo em laboratório, desde a investigação fundamental até às suas aplicações.
As nossas principais atividades serão a realização de investigação e o estudo do controlo motor e da aprendizagem motora, a realização de experiências e a modelação dos sistemas nervosos para compreender como os animais e os seres humanos aprendem e controlam os seus movimentos. Para isto, continuaremos a realizar registos cerebrais em grande escala e estudos de manipulação em ratinhos, bem como a estudar o comportamento dos motoneurónios espinais durante tarefas complexas em seres humanos. Relativamente às aplicações clínicas, iremos co-desenvolver tecnologias que possam oferecer cuidados e alívio a doentes com distúrbios motores. Para isso, continuaremos a trabalhar no potencial da atividade dos motoneurónios espinais como um sinal que pessoas paralisadas possam usar para interagir com computadores, robôs e os seus próprios corpos, ou para a reabilitação após um acidente vascular cerebral.
As nossas outras atividades serão explorar as implicações mais filosóficas da forma como descrevemos o funcionamento do cérebro.
Refiro-me à filosofia subjacente ao paradigma científico que escolhemos na nossa própria investigação. Ao estudar o cérebro, a visão tradicional é que cada neurónio é a unidade “computacional” fundamental. Mais recentemente, o nosso grupo e outros adotaram a ideia de que a função cerebral é melhor explicada ao observarmos os padrões coletivos descritos por muitos neurónios em simultâneo, em vez de observarmos cada neurónio individualmente. Esta abordagem está alinhada com o princípio de que «o todo é mais do que a soma das suas partes», o que também se aplica a outras áreas da ciência, como a física ou a química.
O meu interesse aqui é continuar a questionar se esta visão corresponde realmente ao modo como o cérebro funciona ou se é apenas uma forma útil de o descrevermos. Gosto de usar uma analogia para explicar isto: compreendemos melhor a música ao ouvir toda a orquestra ou ao ouvir os músicos individualmente? Acho que todos concordamos que a primeira opção é a mais intuitiva e um número crescente de neurocientistas responderia da mesma forma, o que significaria que compreendemos melhor o cérebro ao ouvir a orquestra como um todo. No entanto, o que realmente me interessa vai mais além: o que é que o cérebro ouve quando decidimos o que comer ou como nos mover? Ouve a música tocada pela orquestra ou o som dos músicos individualmente?
As pessoas, é claro!
Mas, do ponto de vista científico, estou ansioso por aperfeiçoar as experiências com ratinhos e o nosso trabalho de modelação, estabelecendo colaborações com várias equipas da FC. Para as experiências em humanos no CRN, vamos recorrer a tecnologias não invasivas, como a realidade aumentada e virtual, usando salas imersivas e toda a experiência em robótica da FC. Também trabalharemos com médicos e doentes com condições neurológicas, pois eles têm um papel fundamental no avanço da nossa compreensão do controlo motor e de como este pode ser restaurado após lesões ou doenças.
Por exemplo, um dos projetos que tenho discutido com os meus novos colegas é usar a nossa tecnologia para rastrear a atividade dos neurónios motores espinais em pessoas com paralisia e usá-la como sinais de controlo para video jogos imersivos que as pessoas podem jogar em casa. A nossa expectativa é que, em combinação com outras intervenções, esta abordagem ajude os participantes a recuperar parte da capacidade perdida de controlar os seus membros.
Além disso, como mencionei anteriormente, acredito que as conexões entre diferentes áreas são uma grande fonte de inspiração. Estou muito motivado para participar nas atividades de comunicação e interdisciplinares para interagir com artistas, bailarinos, escritores e o público em geral; muitas vezes, as perguntas mais desafiantes vêm das crianças.