As bolsas Proof of Concept do ERC são atribuídas exclusivamente a Investigadores Principais que já receberam um subsídio ERC anteriormente. O seu principal objetivo é apoiar o potencial de inovação comercial e social da investigação financiada pelo ERC. “É preciso coragem e habilidade para levar uma ideia do laboratório para o mundo dos negócios”, diz Iliana Ivanova, Comissária Europeia para a Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude, no comunicado de imprensa do ERC. “As bolsas Proof of Concept anunciadas hoje são projetadas para permitir que os investigadores dêem este passo corajoso e transformem investigação revolucionária em inovações tangíveis”. Maria Leptin, Presidente do Conselho Europeu de Investigação, acrescenta no mesmo comunicado: “Com a ajuda das bolsas ERC Proof of Concept, os nossos beneficiários podem dar um passo adiante e testar o potencial de mercado dos seus projetos de investigação fundamental”.
Informações adicionais sobre os premiados em Portugal estão listadas abaixo.
Laboratório de Oliveira-Maia - Unidade de Neuropsiquiatria (FC)
Alterar Comportamentos Alimentares na Obesidade: De Lesões Cerebrais a Técnicas de Estimulação Cerebral Não Invasivas
Quando os nossos hábitos alimentares mudam, a mudança pode prejudicar a nossa saúde física e mental, e às vezes levar ao peso excessivo ou obesidade. Dado que a obesidade é uma questão de saúde global significativa e que os tratamentos atuais muitas vezes falham na eficácia a longo prazo ou apresentam riscos substanciais, abordagens terapêuticas inovadoras são essenciais.
Ao abrigo da ERC Starting Grant atribuída ao grupo do investigador principal Albino Oliveira-Maia, na CF, a equipa encontra-se atualmente a investigar como os nossos cérebros determinam os nossos hábitos alimentares. Estão focados na forma como o cérebro responde depois de comermos, o que influencia o nosso desejo de procurar mais comida e ainda em perceber como os sinais entre o intestino e o cérebro afetam o comportamento alimentar.
“Outra maneira de perceber o papel do cérebro nos nossos hábitos alimentares é olhar para o que acontece quando certas áreas do cérebro são danificadas”, explica Rita Cavaglia, uma investigadora do projeto. “Usamos este método para entender distúrbios de saúde mental, e este pode ajudar-nos também a compreender comportamentos alimentares. Por exemplo, notamos que algumas lesões cerebrais podem alterar a forma como o peso de uma pessoa é regulado”.
Isto levanta questões sobre se essas lesões ocorrem em partes específicas do cérebro. Gonçalo Cotovio, membro da equipa, esclarece: “Podemos usar técnicas de imagem cerebral para ver se certas áreas cerebrais ou redes estão ligadas a essas mudanças no peso e hábitos alimentares. Estas técnicas também podem ajudar-nos a desenvolver novos métodos de tratamento, como a estimulação magnética transcraniana (EMT), uma forma não invasiva de estimular o cérebro”.
“Com este projeto, o objetivo da equipa é encontrar áreas específicas no cérebro que possam ser influenciadas usando a EMT, para ajudar a controlar hábitos alimentares”, avança João Duarte, também investigador do grupo. “Esta abordagem será guiada pela nossa compreensão de como certas áreas do cérebro, especialmente aquelas afetadas por lesões, estão ligadas a mudanças no comportamento alimentar e na gestão do peso”.
A equipa planeia usar a EMT para direcionar estas áreas específicas em pessoas com obesidade. Oliveira-Maia conclui: “Estamos convencidos de que este projeto, tornado possível pela bolsa ERC Proof of Concept, irá melhorar a nossa compreensão de como a obesidade se desenvolve e fomentar o desenvolvimento de abordagens terapêuticas inovadoras para esta questão de saúde global e significativamente impactante”.
Bio:
Albino J. Oliveira-Maia completou o curso de medicina na Universidade do Porto e doutorou-se em neurociências pela Duke University. Ao regressar a Portugal, e enquanto completava a formação clínica em psiquiatria, foi investigador pós-doutorado no Programa de Neurociências Champalimaud tendo concluído também um Mestrado em Saúde Pública pela Harvard T.H. Chan School of Public Health, em Boston, onde se especializou em estimulação cerebral não invasiva. Albino é diretor da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud, Líder de Grupo na Champalimaud Research Professor de Psiquiatria e Neurociências na NOVA Medical School e é atualmente Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. A unidade clínica que dirige é especializada em estimulação magnética transcraniana e na prestação de cuidados de saúde mental a doentes com cancro, com depressão resistente ao tratamento e transtorno obsessivo-compulsivo . Lidera projetos nessas áreas, bem como na compreensão dos determinantes dos comportamentos alimentares relacionados à recompensa, no cérebro e na periferia. A sua equipa utiliza métodos que vão desde a avaliação psicológica e comportamental em doentes e voluntários saudáveis, até a estimulação optogenética de neurónios centrais e periféricos em ratinhos e imagiologia cerebral em humanos e ratinhos.
Laboratório Cristina Silva Pereira (ITQB NOVA):
SNAIL - Nanopartículas hidrofóbicas de suberina de alto desempenho para a geração de gotículas bifásicas líquido-ar para a aplicação em alimentos e terapêutica
O potencial dos alimentos funcionais para promover a saúde e prevenir doenças faz com que estes estejam a ser cada vez mais procurados. A incorporação de ingredientes funcionais, como probióticos e proteínas, está a ser analisada pela indústria alimentar para produtos como o pão, o leite e os sumos de fruta. No entanto, muitos destes ingredientes funcionais - benéficos para a saúde - são sensíveis ao pH de produtos ácidos como os sumos.
As tecnologias de encapsulamento, particularmente aquelas conhecidas como antibubbles, são uma ferramenta promissora para aumentar a sobrevivência destes ingredientes em ambientes ácidos e no estômago. Contudo, o material de encapsulamento mais utilizado – a sílica – não é adequado para consumo humano. No âmbito da sua recém-concluída Bolsa ERC Consolidator, MIMESIS, Cristina Silva Pereira e a sua equipa propuseram uma alternativa: "Acreditamos que a suberina, um biopolímero hidrofóbico que a natureza utiliza para impedir o transporte de umidade, poderia ser utilizada como invólucro de gotículas líquidas, evitando fugas e garantindo uma vida útil longa", explica.
A suberina está presente na casca dos sobreiros (cortiça) ou da batata, entre outros. "A principal utilização da cortiça é no fabrico de rolhas para garrafas de vinho", diz James Yates, investigador especializado na caracterização de nanopartículas, responsável no projeto por controlar a homogeneidade do tamanho das amostras produzidas. "Este material tem sido analisado há anos para garantir que não estrague o vinho". Assim, a sua segurança para consumo humano está há muito demonstrada. Já Manuel Melo, responsável por introduzir os dados experimentais da suberina em modelos preditivos de poliésteres vegetais para permitir uma visão da organização destes sistemas, explica o principal objetivo deste novo projeto: "O próximo passo é a integração de biopolímeros derivados de plantas no multimilionário mercado de alimentos e medicamentos funcionais encapsulados".
A equipa, liderada por Cristina Silva Pereira, inclui também um colaborador do sector industrial: a empresa que desenvolveu a tecnologia patenteada antibubble. "Atualmente, não existem quaisquer tecnologias de encapsulamento que possam proteger os ingredientes saudáveis sensíveis do baixo pH ao longo de todo o prazo de validade dos produtos alimentares, garantindo simultaneamente a biodisponibilidade dos ingredientes", explica o proprietário da empresa, Albert Poortinga. Com o SNAIL, os resultados da investigação de ponta do MIMESIS estarão um passo mais perto de tornar a utilização da suberina uma realidade para a indústria de alimentos funcionais.
A equipa do ITQB NOVA também faz parte do Laboratório Associado LS4Future.
Bio:
Cristina Silva Pereira coordena uma equipa de 18 pessoas no Laboratório de Micologia Aplicada e Ambiental do ITQB NOVA. Tornou-se investigadora principal em 2008 - apenas quatro anos após o seu doutoramento. A sua equipa trabalha em poliésteres vegetais, e tem várias parcerias com a indústria. A investigadora ganhou a sua primeira ERC, uma Consolidator Grant, em 2015, com o projeto MIMESIS - Desenvolvimento de biomateriais através do mimetismo das interfaces defensivas das plantas para combater infeções de feridas. A investigação desenvolvida no âmbito deste projeto vai agora aproximar-se do mercado através da nova bolsa ERC PoC.
Silva Pereira estudou Química Aplicada - Biotecnologia na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e iniciou a sua carreira de investigação no Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBET). Durante o seu doutoramento, trabalhou no ITQB, no John Innes Centre e no Institute of Food Research (Reino Unido). Nos últimos cinco anos, publicou mais de 30 artigos científicos em revistas internacionais. Atualmente, Silva Pereira é co-coordenadora do Programa de Doutoramento em Biociências Moleculares, e membro do conselho diretivo da pós-graduação StartUp Research Programme. Tem também escrito e publicado poemas e contos como Cristina Maria da Costa - um hobby que reforça a sua criatividade científica. É mãe de um rapaz de 11 anos.
Cecília Roque Lab (UCIBIO-NOVA FCT):
Diagnósticos clínicos não invasivos inspirados no olfato
Desde a época de Hipócrates, há cerca de 2400 anos, que o olfato tem sido utilizado como evidência de doenças. Com a aplicação de ferramentas modernas de bioengenharia e inteligência artificial (IA), a equipa de investigação de Cecília Roque tem apresentado diagnósticos inspirados no olfato como o futuro dos diagnósticos clínicos.
No âmbito da Bolsa Starting Grant financiada pelo Conselho Europeu de Investigação - SCENT, a equipa de Cecília Roque trabalhou no domínio do olfato artificial e das tecnologias inspiradas no olfato, como o nariz eletrónico. A bolsa inicial SCENT foi pioneira numa classe inovadora de materiais de base biológica, por exemplo, utilizando gelatina, que são sensíveis a compostos voláteis (odores) e outros biomarcadores de doenças libertados pelo corpo. "Os novos materiais alteram as suas propriedades na presença de biomarcadores de doenças, gerando sinais que são recolhidos e depois analisados por ferramentas de inteligência artificial". - explica Susana Palma, membro da equipa do projeto. Estes sistemas de nariz artificial encontram padrões de biomarcadores distintos em amostras biológicas complexas, pelo que podem ser utilizados para detetar impressões digitais associadas a determinadas doenças.
Atualmente, a maioria das ferramentas de diagnóstico clínico ainda são invasivas, o que significa que requerem a recolha de sangue ou outras amostras do corpo, causando frequentemente stress, dor e desconforto ao doente.
Depois de desenvolver as tecnologias SCENT, a equipa tem-se concentrado em fazer a validação tecnológica e de mercado das suas tecnologias inspiradas no olfato. Apesar de ter inúmeras aplicações, "o nosso objetivo é validar as tecnologias SCENT para ferramentas de diagnóstico rápidas e compatíveis com o paciente, utilizando amostras do corpo recolhidas de forma não invasiva, como a urina, como fonte de diagnóstico de doenças. Estamos também a analisar aplicações clínicas para as quais as atuais ferramentas de diagnóstico são dispendiosas, demoradas ou inexistentes", afirma Cecília Roque, investigadora principal da equipa de investigação.
A validação da tecnologia e do mercado pela equipa de Cecília Roque está a ser viável devido ao financiamento do Conselho Europeu de Investigação de duas bolsas para a Prova de Conceito. A primeira bolsa de Prova de Conceito do ERC, para o projeto ENSURE, centra-se na validação da tecnologia para o acompanhamento do cancro da bexiga, "uma vez que pretendemos aliviar os doentes e os médicos, reduzindo o número de procedimentos invasivos", acrescenta Carina Esteves, membro da equipa.
Com a recém-concedida bolsa de Prova de Conceito do ERC para o projeto UNMASK, a equipa de Cecília Roque irá validar as tecnologias inspiradas no olfato para o diagnóstico de doenças neurodegenerativas, como as doenças de Parkinson e de Alzheimer, que afetam uma grande parte da sociedade tendo um elevado peso económico e social. A equipa de investigação trabalhará em estreita colaboração com clínicos de hospitais para validar a componente tecnológica do projeto, assim como com a equipa italiana DayOne para a validação e desenvolvimento do negócio.
Bio:
Cecília Roque é Professora Associada com Agregação em Bioengenharia e directora do Laboratório de Investigação em Engenharia Biomolecular da UCIBIO, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa. É Diretora da unidade de investigação UCIBIO desde fevereiro de 2023. Cecília Roque é licenciada em Engenharia Química (especialização em Biotecnologia) e doutorada em Biotecnologia pelo Instituto Superior Técnico. Cecília foi Visiting Scholar na Universidade de Cambridge e na Universidade Católica da América, investigadora de Pós-Doutoramento no Instituto de Biotecnologia (Universidade de Cambridge) e no INESC-MN (Lisboa, Portugal), e Professora Visitante na Universidade de Cambridge, Universidade de Nantes, Universidade de São Paulo, City University of New York e KTH Royal Institute of Technology em Estocolmo. A sua investigação centra-se na biomimética, fundindo química, biotecnologia e engenharia, e o seu trabalho tem recebido várias distinções nacionais e internacionais.
Sobre o Financiamento Proof of Concept e o ERC
O esquema de financiamento Proof of Concept, que se insere no programa de investigação e inovação da União Europeia, Horizonte Europa, apoiará o desenvolvimento de descobertas de projetos de investigação já realizados ou em curso. No total, 564 propostas foram avaliadas e 240 projetos foram selecionados, resultando numa taxa de sucesso de 43%. Os projetos selecionados são originários de 20 países da Europa diferentes.
O ERC, criado pela União Europeia em 2007, é a principal organização de financiamento europeia para investigação de excelência. Financia investigadores criativos em toda a Europa, de qualquer nacionalidade e idade, e oferece quatro esquemas de financiamento principais: Starting Grants, Consolidator Grants, Advanced Grants e Synergy Grants. Com o seu esquema adicional de Bolsas Proof of Concept, o ERC ajuda os beneficiários a colmatar a lacuna existente entre a sua investigação pioneira e as primeiras fases de comercialização. O ERC é liderado por um órgão de governo independente, o Conselho Científico. Desde novembro de 2021, Maria Leptin é a Presidente do ERC. O orçamento total do ERC de 2021 a 2027 é de mais de 16 mil milhões de euros, como parte do programa Horizonte Europa, sob a responsabilidade da Comissária Europeia para a Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude, Iliana Ivanova.
Texto por Hedi Young, Science Writer and Content Editor da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud em parceria com os Gabinetes de Comunicação do ITQB e NOVA FCT.