Ciência em que podemos acreditar
No dia 14 de novembro, a coordenadora da equipa CEO Catarina Ramos juntou-se a um grupo de especialistas no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa para uma mesa redonda sobre confiança na ciência. Esta sessão marcou o culminar do projeto, financiado pela Comissão Europeia, POIESIS, um consórcio de investigação internacional que inclui sete países.
O evento reuniu profissionais de áreas tão diversas como design, podcasting e academia, com o objetivo de desenvolver recomendações práticas para melhorar a integridade científica e a comunicação de ciência por parte das instituições. “Fui convidada pela equipa liderada pela Marta Entradas, Professora Auxiliar do ISCTE”, começou Catarina. “Coincidentemente, na semana seguinte, a Marta esteve na mesma Conferência Internacional de Comunicação de Ciência na África do Sul, onde o meu colega John Lee fez uma apresentação sobre um trabalho desenvolvido pela nossa equipa!”. Mas sobre isto falaremos mais tarde.
Integridade Científica: Trabalhar a confiança a partir de dentro
O primeiro tópico da mesa redonda centrou-se na integridade dentro das instituições científicas. “Começamos com questões sobre: como deve ser atribuída a autoria aos trabalhos de investigação? Como devem as instituições lidar com casos de fraude ou má conduta? Quantas instituições têm provedor? Deve essa pessoa ser interna ou externa à instituição? E o que fazer em situações de desequilíbrios de poder? Tal como discutido pelo grupo, sem as devidas salvaguardas, aqueles em posições de poder poderão proteger-se mutuamente e com isso potencialmente deixar indivíduos, por exemplo estudantes, em situações vulneráveis.”
As recomendações da discussão incluíram o estabelecimento de estruturas e códigos de conduta claros, a oferta de formação contínua em integridade e a proteção dos investigadores contra pressões externas (por exemplo, financiadores, governos, opinião pública), mantendo assim elevados padrões de integridade científica.
Envolvimento Público: Construção de pontes através da confiança
O segundo tópico girou em torno da confiança do público na ciência. “Um ponto de discussão que achei interessante e que me surpreendeu foi sobre a importância de projetar edifícios de uma forma que incentive a abertura e a colaboração”. Catarina apontou exemplos como o Science Gateway do CERN e o VISTA do ISTA, que estão a reimaginar espaços públicos para o envolvimento científico. “Estes não são museus – são centros interativos onde a investigação e o envolvimento com o público convergem. A comunidade científica contribui ativamente para os programas, criando um diálogo dinâmico entre a ciência e a sociedade”.
Os participantes discutiram também o quão relevante é sensibilizar para o processo científico e aspetos inerentes aos passos iniciais da investigação, em vez de esperar até que esta seja publicada, bem como estratégias para combater a desinformação, enfatizando a importância da narrativa e da emoção. “Os factos por si só não são suficientes”, disse Catarina. “Precisamos aproximarmo-nos das pessoas a um nível emocional. O humor, por exemplo, pode ser uma ferramenta incrivelmente eficaz”.
A conversa passou ainda pelas qualificações necessárias para funções de gestão científica. “Penso haver consenso por parte do grupo de que, embora não seja necessário um doutoramento em ciências, é necessário um conhecimento sólido do processo científico. Ter uma experiência puramente empresarial pode não ser suficiente para navegar pelas complexidades da administração da investigação científica”.
Um caso de sucesso português e mudanças geracionais
Outro tema da sessão foi o elevado nível de confiança na ciência e nos cientistas entre os portugueses, quando comparado com outros países Europeus. “O legado do falecido Mariano Gago, enquanto Ministro da Ciência e do Ensino Superior, perdura em iniciativas como a Ciência Viva”, refletiu Catarina. “Ao criar esta agência nacional de promoção da cultura científica e tecnológica, agora com 22 centros de ciência espalhados pelo país, garantiu que quase todas as crianças portuguesas pudessem ter acesso à ciência em primeira mão. Esta proximidade gera confiança, familiaridade e pensamento crítico”.
Refletindo sobre as mudanças geracionais na comunicação de ciência, Catarina observou que os cientistas mais jovens estão mais interessados em interagir com o público. “No passado, os académicos comunicavam principalmente com os seus colegas. Agora, há um reconhecimento crescente de que a comunicação/outreach faz parte da responsabilidade de um cientista. Esta mudança é fundamental porque a confiança depende da familiaridade – não se pode confiar realmente em alguém que está distante, que não se conhece”.
No entanto, ela também observou desafios no equilíbrio do interesse público. “Embora a investigação relacionada com as doenças capte facilmente a atenção, os estudos sobre temas menos tangíveis podem ter maior dificuldades. Mas cabe-nos também a nós, enquanto comunicadores, mostrar porque é que toda a investigação científica e o seu processo são importantes”.
A ciência da descoberta e a arte do envolvimento
De 18 a 20 de novembro, cientistas e comunicadores – incluindo o Consultor de Comunicação da equipa do CEO, John Lee – reuniram-se em Stellenbosch, na África do Sul, para o simpósio “Communicating Discovery Science”. Esta conferência, organizada pela Fundação Kavli e pela Science Public Engagement Partnership e tendo como pano de fundo as Vinhas da Cidade do Cabo, centrou-se em formas inovadoras de partilhar ciência fundamental, ou de “descoberta”, com o público.
A participação do John consistiu numa apresentação sobre o What Am I Looking At? | O que é isto?, uma série interativa lançada este ano pela equipa do CEO e liderada por John. “Quando submetemos o sumário deste trabalho para apreciação por parte da Comissão Científica deste simpósio, pensámos que poderíamos apresentar um poster ou fazer uma apresentação online”, partilhou John. “Ser convidado para falar pessoalmente foi inesperado, mas muito bem-vindo”. Chegar a Stellenbosch, no entanto, não foi tarefa fácil. “Foi uma viagem de 24 horas, via Dubai e Cidade do Cabo. Não senti o jet lag, mas foi uma viagem e tanto! - mas valeu totalmente o esforço e assim poder partilhar ideias com comunicadores de ciência de todo o mundo num cenário tão bonito”.
Dia 1: Desafiar pressupostos sobre o interesse público em ciência
A premissa do primeiro dia foi a de que o interesse público não se limita à investigação aplicada. “Um inquérito de 2019 revelou que 90% dos adultos norte-americanos consideram a investigação básica ou fundamental – aquela que promove o conhecimento mesmo sem aplicações e benefícios imediatos – como essencial ou importante, e este sentimento manteve-se consistente durante décadas”, observou John. “Uma sondagem mais recente concluiu que 88% dos adultos norte-americanos acreditam que a investigação básica merece financiamento por parte do governo federal”.
Foram também apresentados dados sobre as motivações emocionais por detrás do envolvimento com as descobertas científicas. “Os cientistas são muitas vezes movidos pela curiosidade e pela satisfação”, explicou John. “Mas o público tende a procurar esperança – uma compreensão de como as descobertas podem levar a soluções futuras. Não há razão para que, quando comunicamos ciência, não possamos tentar satisfazer ambas”.
Os oradores consideraram formas de tornar a descoberta científica atrativa para o público, ligando-a a potenciais resultados sem simplificar demasiado. “Não se trata de enganar o público fazendo-o pensar que cada experiência produzirá resultados imediatos”, disse John. “Trata-se de contextualizar – porque é que esta investigação é importante e o que pode significar a longo prazo”.
Bruce Lewenstein, da Universidade de Cornell, desafiou a distinção tradicional entre ciência básica ou fundamental e aplicada. “Ele argumentou convincentemente que a ciência é um continuum”, observou John. “A investigação básica transita muitas vezes perfeitamente para a ciência aplicada – por vezes da noite para o dia. A criação de divisões artificiais pode enganar o público e enfraquecer o apoio e o financiamento à descoberta científica”.
Dia 2: Aplicações práticas da comunicação de ciência
O segundo dia mudou para estratégias práticas. “Uma conclusão importante foi a importância de pedir ao público para fazer algo. Seja clicar num link, ver um vídeo ou inscrever-se num curso, o envolvimento deve exigir um envolvimento claro por parte do público”.
O John considerou ainda as discussões sobre a segmentação por público-alvo particularmente valiosas. “Não se pode criar conteúdo para todos. É necessário definir o nosso grupo demográfico e adaptar a mensagem de acordo. Definir como alvo da nossa comunicação ‘o público em geral’ é algo demasiado abrangente para ser eficaz”.
Outra das ideias em destaque foi a importância de estabelecer metas mensuráveis. “Não basta dizer: ‘Queremos que mais pessoas vejam isto’. É preciso definir objetivos específicos, como fazer com que 20% dos alunos do ensino secundário leiam um artigo ou 200 alunos do ensino secundário participem num evento. A precisão torna os esforços muito mais impactantes. Durante demasiado tempo, a comunicação de ciência teve como objetivos “difundir conhecimento” e “inspirar futuros cientistas”, mas estes objectivos são demasiado amplos e vagos, condenando-os, em última análise, ao fracasso. Metas claras e alcançáveis são muito mais úteis”.
WAILA: Um exemplo de envolvimento criativo
A apresentação do John sobre a série WAILA mostrou como a combinação de impressionantes imagens criadas em laboratório com elementos interativos e narração áudio pode cativar e elevar a ciência da descoberta. “Para esta apresentação, a nossa designer gráfica, Carla Emilie Pereira, preparou slides absolutamente fantásticos que realmente deram vida a todo o conceito”.
“Fiquei muito satisfeito com a apresentação”, continuou John. “O público pareceu realmente gostar e apreciar o conteúdo desta série. Como é habitual nas conferências, os corredores e os intervalos foram ótimas oportunidades para esclarecer dúvidas e aprofundar alguns aspetos deste projeto. A WAILA despertou muito interesse e feedback positivo – todas as cópias físicas dos episódios que levei comigo desapareceram rapidamente!”.
Esta apresentação desencadeou ainda trocas de ideias com potenciais colaboradores da África do Sul e da Eslovénia, incluindo do Instituto NRF-SA para a Biodiversidade Aquática e do Instituto Kontekst para o Envolvimento e Divulgação Científica.
O John ficou particularmente impressionado com o quão valorizado foi o aspeto relacionado com a extração do máximo de ideias criativas. “Com o WAILA, podíamos ter simplesmente partilhado aquelas imagens interessantes, acompanhadas de um texto descrito. Em vez disso, tornámo-lo interativo, adicionamos narrações de áudio e essa combinação resultou muito bem. Temos também grandes planos para continuar o WAILA com uma versão ao vivo, participando em eventos científicos e junto de escolas”.
John concluiu: “É claro que na comunicação de ciência a divulgação da informação tem sempre um peso considerável, e tudo bem. No entanto, para projetos criativos com um real potencial de envolvimento por parte do público, devemos concentrar-nos em maximizar o seu impacto – o que queremos que o nosso público aprenda, sinta ou faça – para assim tirar o máximo partido da ciência que comunicamos.”
Trazer a comunicação de ciência para a semana do design centrado no ser humano
De 25 a 29 de Novembro, Marta Correia, Designer da CEO Team, participou na 3ª edição da Human-Centred Design Week (HCDweek@Fraunhofer) no Porto. Organizado pela Fraunhofer Portugal AICOS, este evento multidisciplinar reuniu designers, engenheiros e investigadores com o objetivo de explorar como o design participativo pode criar tecnologias relevantes, inclusivas e éticas.
Dar voz ao desservidos
O grupo de Design Centrado no Ser Humano da Fraunhofer Portugal AICOS dedica-se ao design inclusivo, especialmente para utilizadores tradicionalmente desservidos, como idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores industriais. Através de métodos participativos, o grupo coloca as necessidades do utilizador no centro do design da tecnologia digital, desde interfaces de utilizador até objetos físicos.
“A Ana Correia de Barros, Head of Human-Centred Design, e o Ricardo Melo, investigador sénior do grupo, mostraram-se curiosos não só pelo trabalho de design que fazemos na FC como também pelas ideias e princípios que lhe estão subjacentes”, explicou Marta. “O seu convite foi uma oportunidade para partilhar a nossa abordagem e os processos que fomos melhorando ao longo dos anos, ao mesmo tempo que foi possível aprender com outras pessoas que se focam no design centrado no utilizador”.
Conclusões da semana
No segundo dia, Marta destacou uma oficina sobre como o design para pessoas com deficiência frequentemente beneficia todos, levando-a a refletir sobre a importância de incluir um espectro mais alargado de utilizadores nos processos de design. “No dia 3 houve também uma apresentação que considerei particularmente interessante, onde foram abordados aspetos da monitorização passiva da demência – uma ferramenta de cuidados inteligentemente concebida como um vaso de flores! Esta apresentação levantou questões críticas sobre como encontrar um equilíbrio ético entre a privacidade, a recolha de dados e o bem-estar do doente”.
“As oficinas e apresentações ofereceram uma interessante mistura de pensamento criativo e soluções práticas, desde metodologias e práticas de investigação de utilizadores até ao redesenhar de espaços de trabalho para enfrentar desafios ambientais, como a escassez de água”.
Design para ciência e medição do impacto
Na sua apresentação, Design for Impact: Communicating the Unknown, Marta partilhou uma gama diversificada de projetos na FC, que vão desde brochuras para doentes em recuperação, a identidade visual de eventos de arte e ciência (exposição Metamersion: Healing Algorithms) até à série interativa WAILA.
A sua apresentação abordou os desafios de ser designer numa instituição científica. “Não tenho formação científica, por isso confio nos colegas da equipa como “brokers” do conhecimento. A sua experiência é realmente uma ajuda para que eu possa traduzir conceitos abstratos em recursos visuais dirigidos a públicos diversos”.
Marta acrescentou: “A preparação para a apresentação deu-me a oportunidade de reavaliar a minha prática – algo que não fazia há anos porque o processo se tinha tornado uma segunda natureza. Dar um passo atrás esclareceu os meus pensamentos e despertou novas ideias, principalmente em relação à comunicação verbal e visual. E também me recordou o quanto a colaboração é central em tudo o que fazemos na FC”.
Para a Marta, uma das maiores conclusões retiradas deste evento foi a necessidade de avaliar melhor o impacto do design. “A maior parte do nosso feedback vem das redes sociais e tende a ser de felicitações em vez de analíticos. Isto fez-me considerar formas de medir a eficácia do nosso trabalho – por exemplo, recolhendo feedback mais direto dos utilizadores finais ou utilizando abordagens baseadas em dados para avaliar o quão bem os nossos projetos comunicam. Estas etapas podem garantir que o nosso trabalho é visualmente envolvente e impactante”.