14 Novembro 2025
Science Kitchen
Onde ciência e gastronomia se cruzam na Fundação Champalimaud.
14 Novembro 2025
Onde ciência e gastronomia se cruzam na Fundação Champalimaud.
Era sexta-feira à noite, 7 de novembro, e o hall de entrada do Centro Champalimaud estava transformado e quase irreconhecível. Onde antes reinavam a calma e o silêncio, o espaço pulsava de energia: o som dos tachos, o sussurro das conversas, o aroma dos coentros e da abóbora assada, e no ar, a promessa de muito mais.
Chefs de bata branca estavam ombro a ombro com cientistas, a provar, a conversar, a experimentar. Os pratos eram compostos como se de hipóteses científicas se tratassem, os resultados partilhados não em gráficos, mas em sensações. Os convidados circulavam com copos na mão, absorvendo tudo.
Este foi o Science Kitchen, o momento em que o mundo da investigação encontrou a arte da gastronomia, e onde a curiosidade não foi apenas observada, mas saboreada.
O catalisador para o Science Kitchen surgiu de uma conversa entre Carlos Ribeiro, Investigador Principal e Neurocientista na Fundação Champalimaud, e Paulo Amado, fundador da Edições do Gosto e uma das figuras de referência do panorama culinário português.
Ambos partilham a convicção de que ciência e gastronomia estão ligadas por um fio comum: a curiosidade. Cientistas e chefs trabalham com o desconhecido, equilibrando precisão com intuição, observação com criatividade. A partir desta visão partilhada, imaginaram um projeto onde estes dois mundos pudessem convergir, criando um espaço onde a descoberta científica e a imaginação culinária se fundissem.
Joana Lamego, Coordenadora da equipa de Desenvolvimento de Investigação Estratégica da Fundação Champalimaud, juntou-se à iniciativa logo desde início, ao lado do Carlos e do Paulo.
Com o apoio do Conselho de Administração da Fundação Champalimaud – Dra. Leonor Beleza e Dr. João Silveira Botelho – o Science Kitchen tornou-se o primeiro capítulo desta nova história, refletindo o espírito de criatividade e inovação que a Fundação continuamente cultiva.
O Science Kitchen é uma experiência gastronómica imersiva que reúne investigadores, chefs e convidados para explorar como o conhecimento, a criatividade e os sentidos podem convergir para criar novas formas de compreensão.
Na sua essência, o Science Kitchen é um diálogo: entre o sabor e o pensamento, o racional e o emocional, o cientista e o chef.
A viagem começou em fevereiro de 2025, com um dia de imersão na ciência. Quatro chefs visitaram os laboratórios de quatro cientistas da Fundação Champalimaud. Assistiram a experiências e colocaram questões que iam além de receitas, protocolos e reagentes. Mais tarde, os cientistas retribuíram a visita, entrando nas cozinhas dos chefs, onde onde observaram a técnica dar lugar à arte.
Estas partilhas transformaram-se em colaborações, que depois deram origem a pratos. Ao longo de meses de reflexão, experimentação e prova, cada dupla desenvolveu um prato para o primeiro jantar Science Kitchen: uma história contada através de ingredientes, ciência e imaginação.
Quando Ardem Patapoutian, laureado com o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina em 2021, visitou a Fundação Champalimaud em maio, o conceito ganhou nova profundidade e força. As suas reflexões sobre memória e sensação inspiraram novas ligações entre sabor, perceção e descoberta, que se revelaram no menu apresentado em novembro.
Cada dupla – um cientista e um chef – criou um prato que traduziu o seu diálogo:
Uma combinação vibrante de ingredientes ricos em omega-3, colagénio, vitaminas e antioxidantes, o prato reflete a investigação de Ana Luísa sobre como a alimentação pode ajudar o sistema imunitário a controlar as metástases do cancro. O Chef David Jesus transformou esta ideia em “Pézinhos de Coentrada”, uma criação que é simultaneamente alimento e metáfora, lembrando-nos que o que comemos pode mudar a forma como o corpo se regenera.
Guiados por impressões sensoriais, o Chef André Cruz e a Cientista Eugenia Chiappe criaram uma exploração poética de intuição, curiosidade e movimento. Para Eugenia, que estuda o movimento dos animais no espaço, e para André, que transforma a natureza em harmonia, a descoberta começa antes do método, no identificar, sentir e questionar. O seu prato - Ouro, Mar e Fogo - incorpora este espírito: ouro para o conhecimento, mar para o desconhecido e fogo para a chama da curiosidade humana.
A Chef Marlene Vieira e o Cientista Carlos Ribeiro partilham do fascínio pela textura, um sentido que tem o poder de definir o prazer de comer. Unidos por origens humildes no norte de Portugal, procuraram transformar a simplicidade em sofisticação, criando a “Inversão Textural”: uma feijoada reinventada com lulas e feijão. Ao trabalharem a firmeza, suavidade e aroma, exploraram como a textura, o cheiro e o sabor se unem no cérebro, uma reflexão sensorial e científica sobre memória, transformação e criação.
Inspirada pelos estudos de Albino J. Oliveira-Maia sobre como o conteúdo energético influencia a preferência alimentar, a Chef Ana Patrícia Correia inverteu a experiência: uma sobremesa com dois elementos idênticos em calorias, mas que geraram percepções completamente diferentes. Um flan caramelizado e quente e uma mousse cítrica e fria desafiaram as expectativas dos convidados, revelando como os nossos sentidos, experiências e crenças moldam o sentido do sabor. Uma ilusão deliciosa que demonstrou um ponto científico: o gosto está tanto na mente quanto na língua.
Convidados de diversos setores, desde empresários e inovadores a cientistas e figuras da cultura, reuniram-se para uma noite em que a curiosidade foi o guia de cada prato e cada interação.
À medida que os pratos eram apresentados, chef e cientista partilhavam a história por trás da criação: a questão, a inspiração, o método. Os convidados ouviram descrições culinárias e científicas, assim como reflexões sobre as atitudes e escolhas de quem cria, prepara e prova o que é servido. Ergueram-se copos de vinho biológico português, fluíram conversas, e a ciência não foi apenas discutida, foi vivida.
Em todos os sentidos, foi um novo tipo de experiência, que não terminou em descobertas científicas, mas em diálogo aberto.
No final da noite, ficou no ar um sentimento partilhado: “Devíamos fazer isto outra vez.” E assim acontecerá.
