18 Novembro 2025

Uma comunidade que te ajuda a avançar

20 Anos, 20 Histórias
— Acolher internacionais com Mert Erginkaya

Quando decidimos incluir o tema “acolher internacionais”, o nome do Mert Erginkaya foi um dos primeiros que me veio à cabeça. O Mert é um amigo próximo há mais de seis anos e senti sempre que representava o melhor da comunidade na Fundação Champalimaud (FC). Este texto é sobre a sua história e, de certa forma, também um pouco sobre a minha, porque tive a sorte de fazer parte da jornada do Mert na FC.

O Mert cresceu na Turquia, onde estudou e começou a interessar-se por neurociências. Um dia, um professor mencionou um novo instituto de investigação em Lisboa, o Centro Champalimaud, e o Mert decidiu ir procurar mais sobre o assunto. Ficou imediatamente fascinado com o facto de haver “vários grupos a fazer investigação em neurociências, a vários níveis e com diferentes modelos animais”, o que lhe dava liberdade para explorar. Quando veio a Lisboa para uma entrevista para o programa doutoral, ficou impressionado com o centro, as pessoas e a cidade. “Se me aceitarem, adorava juntar-me a este instituto”, pensou.

E, se leram até aqui, já sabem que foi exatamente o que aconteceu, em 2012, para sermos precisos. O Mert estava tão entusiasmado que se mudou para Lisboa alguns meses mais cedo, para fazer uma rotação laboratorial antes de começar o doutoramento. “Tudo era novo”, recorda, “Portugal era novo. Lisboa era nova. A FC, o doutoramento, as neurociências, tudo era novo. Por isso, esses primeiros meses ajudaram-me muito a adaptar-me à transição.”

Quando falámos sobre os seus primeiros tempos na FC, o Mert recordou com carinho como “as pessoas eram muito abertas, calorosas e acolhedoras”. Poucas semanas depois de chegar, fez anos. Não esperava que alguém soubesse, mas foi surpreendido por “um grupo de pessoas que se juntou para celebrar, divertir-se e conviver”. Esse pequeno gesto ficou-lhe na memória, porque não esperava criar um grupo de amigos nem sentir-se integrado tão rapidamente.

Alguns anos depois, esse grupo de amigos cresceu, e uma das suas memórias favoritas foi a vitória de Portugal no Euro 2016. Estava a ver o jogo com pessoas de diferentes países e, quando Portugal marcou, todos ficaram em êxtase. “Mas nem dois minutos depois”, ri-se, “vi dois amigos portugueses sentados, com um ar pensativo. Perguntei o que se passava e eles disseram: ‘Pronto, é isto. Nunca mais vai acontecer.’” O Mert ficou intrigado com este pessimismo nostálgico, uma característica muito portuguesa, percebe agora, de sentir saudades de algo antes mesmo de acabar.

E já que estamos a falar de desporto, uma das minhas coisas favoritas que o Mert ajudou a criar foi o grupo do basquetebol. Quando chegou à FC, uma das primeiras coisas que fez foi procurar outros que também gostassem de jogar. Conheceu a Inês Vaz, também aluna de doutoramento, e juntos começaram jogos semanais abertos à comunidade, independentemente do nível de habilidade, um espírito que ainda hoje torna o grupo especial. A paciência e a simpatia do Mert faziam com que novos colegas se sentissem bem-vindos, e eu que o diga, pois foi este grupo que me fez começar a jogar e, até hoje, gostar de basquetebol. Diz, orgulhoso: “O melhor é que, 11 anos depois, o grupo continua forte, é uma sensação incrível.” E nós ficamos felizes quando, sempre que visita Portugal, aparece para jogar.

É claro que o grupo de basquetebol (e outros grupos desportivos e sociais da FC) desempenham um papel incrível em ajudar os recém-chegados, especialmente os internacionais, a sentirem-se em casa. O Mert destacou que estas iniciativas começaram com um forte apoio inicial dos diretores da investigação e dos investigadores principais, o que permitiu que crescessem e tivessem um verdadeiro impacto na comunidade.

Claro que nem tudo foi fácil. O Mert recorda os desafios da burocracia e da língua, que foram atenuados pelo apoio das unidades administrativas, algo que ainda hoje reconhece. Mas a parte mais difícil, diz, foi o que chama de “poço do desespero”, aquele momento que quase todos os alunos de doutoramento enfrentam, quando as experiências falham, a motivação desaparece e a dúvida se instala. Felizmente, contou com o apoio da sua orientadora e da comissão  de tese, que o incentivaram a não ter medo de mudar de rumo quando as coisas não corriam como planeado. Ainda assim, o que o ajudou verdadeiramente foi a própria comunidade. “Ver outros estudantes de doutoramento seniores a passar pelo mesmo ‘poço do desespero’ e a sair dele fortes, para defender as suas teses, deu-me confiança.”

Esse sentido de apoio, tanto de colegas como de mentores, é algo que o Mert vai sempre valorizar. Descreve a FC como “um local  onde existe a sensação de fazer parte de um grupo que acha que a ciência é incrível e que quer fazer boa ciência”. Seja para pedir um reagente, um artigo ou um conselho sobre uma experiência, basta um e-mail para encontrar alguém disposto a ajudar. Como o Mert resume: “Essas pequenas coisas todas somadas fazem-nos sentir parte de uma grande comunidade que realmente procura fazer ciência em conjunto.”

Atualmente, o Mert é investigador de pós-doutoramento na Alemanha, mas guarda com carinho as memórias de Lisboa e da FC. Quando lhe perguntei sobre o futuro, disse que gostaria, um dia, de ter o seu próprio grupo de investigação e criar o mesmo sentimento de pertença. “Ficaria muito feliz”, diz, “se conseguisse fomentar o mesmo tipo de comunidade, não apenas no meu laboratório, mas em todo o instituto, onde quer que venha a estar.”

 

Mert Erginkaya, antigo estudante de doutoramento em neurociências na Fundação Champalimaud, atualmente investigador de pós-doutoramento na Universidade Julius Maximilians de Würzburg, Alemanha.

Texto de Ana Rita P. Mendes, Communication & Events Manager da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud

 

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

 

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