19 Julho 2023

Zoom-In on Champalimaud - Terceira Edição - Número 5

Do Dia do Alzheimer (21 de setembro) ao Dia do Lixo Zero (30 de março), quase todos os dias são dias (inter)nacionais! E, como na Fundação Champalimaud não faltam pessoas com um vasto leque de experiências, interesses e conhecimento, para a 3ª Edição de 'Zoom-In' decidimos desafiar um membro da nossa comunidade com uma ligação especial à data que assinalamos.

Carlos Stein Brito and T. Quendera - International Chess Day

Cerca de 600 milhões de pessoas em todo o mundo jogam xadrez, sendo que 70% dos adultos já jogaram em algum momento das suas vidas; e como o dia 20 de julho é o Dia Internacional do Xadrez, falámos com os investigadores da Champalimaud, Carlos Stein Brito e T. Quendera, para saber mais sobre por que jogam e sobre o que este jogo significa para eles enquanto cientistas.

Carlos é neurocientista computacional na Fundação Champalimaud e desenvolve modelos de redes neuronais de aprendizagem e de controlo motor, na interface entre os circuitos cerebrais e a inteligência artificial. Tem um doutoramento da EPFL, em Lausanne, na Suíça, e um pós-doutoramento da Gatsby Unit UCL, em Londres.

Com formação em psicologia, Quendera (elu/delu) tornou-se neurocientista computacional na Fundação Champalimaud. Embora se confesse "pouco notável" quando joga, Quendera estuda  xadrez como parte do seu doutoramento, no qual tenta modelar e abordar a forma como os seres humanos tomam decisões complexas e como a sua saúde mental afeta essas decisões.

Pergunta para o 'queijinho'!: O jogo de xadrez que aparece na fotografia foi montado em homenagem a um jogo de xadrez muito famoso. Sabe qual? Resposta no final da entrevista!

No Dia Internacional do Xadrez, uma primeira pergunta óbvia: têm algumas dicas para quem está a pensar em começar a jogar este jogo incrivelmente popular, mas igualmente desafiante?

Quendera: A maior parte das coisas interessantes da vida exigem muito trabalho para serem bem feitas. Quando tenho dificuldades em aprender alguma coisa, tento lembrar-me das dificuldades que tive nas aulas de inglês quando era criança. Hoje, trabalho exclusivamente em inglês e é muito gratificante falá-lo com facilidade graças a ter ultrapassado essas dificuldades. A aprendizagem de qualquer tarefa complexa tem momentos em que parece inútil, mas, mais importante ainda, são aqueles momentos em que tudo parece encaixar-se. No xadrez, não há nada mais gratificante para mim do que ver uma tática fantástica que o meu adversário não viu – ou, mais frequentemente, perceber que acabei de fazer um grande disparate!

A melhor parte é que isto acontece a todos os níveis de competência. Às pessoas que acham que o xadrez é demasiado difícil, eu digo: é difícil para toda a gente, por isso encontrem alguém com quem gostem de jogar e divirtam-se!

Quendera diz "divirtam-se", mas o xadrez parece ser, muitas vezes, um assunto muito sério. Pode ser realmente divertido?

Carlos: Boa questão! Há um meme em que um jogador novato pergunta: "Quando é que o xadrez se torna divertido??", e o jogador veterano responde: "Isso é que é fixe: nunca!!!" Comecei a jogar xadrez com amigos em esplanadas de bares, no Brasil, e é mesmo divertido não só vencer (às vezes) os amigos, como ser surpreendido por entusiastas a passar na rua e curiosos de todo o tipo. Nunca me esquecerei de um menino vendedor ambulante, que passou por nós e começou a jogar connosco, falando da sua vida difícil e de como aproveitava os poucos momentos livres que tinha para jogar xadrez. Para ele, o xadrez era como uma janela para outra vida.

Porém, o jogo online aproxima-se mais de um puzzle viciante, do estilo do Candy Crush – embora possamos continuar a apreciar a beleza de cada jogo mesmo quando jogamos ininterruptamente durante horas. A variedade infinita de combinações de peças que pode surgir nos diferentes jogos é fascinante. 

Jogar xadrez ensinou-lhe alguma coisa sobre si?

Quendera: O meu padrasto ofereceu-me um livro sobre xadrez quando eu tinha cerca de oito anos. Tenho boas recordações de jogar com ele nessa altura. Naquele livro, fiquei a saber que o jogo era muito antigo e complexo. Muitos anos mais tarde, ao estudar psicologia, tropecei novamente no xadrez. Fascinou-me a complexidade da tomada de decisão pelos seres humanos e como se reflete no jogo. É espantoso ver quanto trabalho e dedicação foram necessários para desenvolver agentes de inteligência artificial capazes de nos vencer numa "coisa tão simples" como um jogo de xadrez. Estas máquinas têm memória e capacidade computacional potencialmente maiores que nós e, no entanto, por vezes, ainda perdem. Gosto de acreditar que a caraterística que define a inteligência humana é, portanto, algo mais próximo da intuição do que do raciocínio. É uma ideia difícil de engolir enquanto cientista, mas que aprecio cada vez mais enquanto pessoa.

Jogar xadrez confere-lhe alguma percepção particular como cientista? Será que muda a sua forma de olhar para certas coisas? 

Carlos: O xadrez faz-me refletir muito sobre a neurociência da tomada de decisões. Por exemplo, a aprendizagem por reforço é um dos paradigmas de aprendizagem de máquina que tem sido muito útil para entender o comportamento humano. Neste paradigma, um agente interage com um ambiente, e recebe feedback positivo ou negativo dependendo de suas ações. Uma maneira de abordar o problema é, por tentativa e erro, aprender a associar diretamente estados (e.g. bispo adversário desprotegido) a boas ações (e.g. comer o bispo), como arcos reflexos elaborados, sem utilizar um modelo explícito do que vai acontecer vários passos à frente – o que se designa por decisões sem modelo. Mas para cenários complexos, também usamos os nossos modelos internos do mundo, ou do jogo de xadrez, para simular sabiamente diferentes caminhos possíveis, planear antecipadamente e decidir em conformidade. Ou seja, uma forma de decisão baseada em modelos. 

No xadrez, ambas as capacidades estão sempre em jogo e é um exercício introspectivo interessante ver que processo está a dominar num determinado momento e como essas capacidades se desenvolvem à medida que se vai ganhando experiência. De há um ano para cá, consigo realmente "ver" coisas num tabuleiro que antes me passavam ao lado. Mas, para ser sincero, é menos claro saber até que ponto isso se reflete noutras coisas da vida ou se as minhas capacidades de planeamento têm vindo a melhorar minimamente. 

Muitos investigadores parecem gostar deste jogo: existe alguma ligação intrínseca entre ciência e xadrez?

Carlos: Enquanto neurocientista teórico, acho que os paralelos estão em todo o lado. Encontrar padrões em cenários complexos, pensar em diferentes hipóteses e contrafactuais, ou ainda lidar com revisores antagonistas. Aprecio especialmente o facto de o xadrez ser uma mistura intrincada de reconhecimento intuitivo de padrões, de palpites de que algumas jogadas ou posições batem certo, juntamente com um raciocínio muito lógico e preciso, em que uma simples troca na ordem das jogadas pode inverter completamente o desfecho do jogo. Quando desenvolvemos uma teoria matemática, misturar a intuição com o raciocínio formal é fundamental para obter algo interessante e correto. 

Quendera: A história dos cientistas que estudam o jogo de xadrez é tão antiga quanto a própria ciência. Os jogos foram sempre ambientes ricos para os cientistas testarem as suas teorias. Os cientistas computacionais debruçaram-se sobre o jogo de xadrez, em particular, devido ao seu universo incrivelmente vasto de possibilidades. E embora existam mais variações possíveis no jogo de xadrez do que átomos no universo observável, os humanos continuam a ser incrivelmente bons nesse jogo. De facto, os investigadores em inteligência artificial demoraram quase 40 anos a desenvolver um algoritmo capaz de vencer o melhor dos humanos da altura.
 
Hoje em dia, qualquer pessoa pode ver, no seu telemóvel, a melhor jogada para qualquer configuração do tabuleiro. Mas quando analisamos o jogo dos melhores jogadores do mundo, vemos que eles nem sempre jogam da melhor forma. Os humanos não são tão bons como as máquinas a serem matematicamente precisos – e também não se preocupam tanto com isso. Por isso, acabamos provavelmente por dar prioridade a outras coisas, tais como ganhar ou divertirmo-nos.

Felizmente, nem eu nem a nossa comunidade estamos perto de descobrir as respostas a todas estas perguntas. O que significa que vou ter o prazer de continuar a trabalhar nelas no futuro previsível – hahaha!

Resposta para o 'queijinho'!: O fotógrafo emula o Jogo #1 da desforra de 1997 entre Kasparov (Carlos, brancas) e Deep Blue (Quendera, pretas).

Editado por John Lee, Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud.
Chess Day

 
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