Em 1975 (Ano Internacional da Mulher), as Nações Unidas reconheceram o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, mas o que talvez não saibam é que esta é uma data relevante para os direitos das mulheres desde 1908, quando centenas de mulheres trabalhadoras marcharam em Nova Iorque, com o objetivo de criar um sindicato próprio e exigir o direito ao voto. Todos os anos, esta data relembra-nos que é necessário lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, independentemente do género.
A Cristina João é Hemato-oncologista no Centro Clínico Champalimaud e Líder do Grupo de Investigação Mieloma Linfoma. É também Professora de Imunologia na Faculdade de Ciências Médicas - NOVA Medical School. Com trabalho publicado em inúmeras reconhecidas revistas, e com uma vasta experiência enquanto médica e investigadora, Cristina João foi homenageada pela Ciência Viva, tendo sido escolhida para integrar o livro “Mulheres na Ciência” - lançado hoje para comemorar o Dia Internacional da Mulher - como exemplo de uma médica-cientista que se dedica a cuidar dos doentes e a estudar as melhores formas de os tratar.
Porque é que o Dia Internacional da Mulher é importante?
Num mundo onde temos cada vez mais noção das desigualdades, ainda é importante frisar que a desigualdade de género continua a ser uma realidade. Ainda recentemente as mulheres eram frequentemente preteridas em situações mais exigentes do ponto de vista social ou profissional, como formação pós-graduada ou cargos de chefia. Atualmente, e em países desenvolvidos, essas desigualdades esbatem-se mas num contexto global continua a fazer todo o sentido lembrarmos e valorizarmos o Dia Internacional da Mulher.
Penso que para além da homenagem que se faz a importantes mulheres portuguesas, neste dia importa estruturar planos que tenham como objetivo apagar desigualdades de género no presente e no futuro, especialmente em contextos mais desfavorecidos e em áreas sociais diversas como a cultura, a educação, a inovação e o empreendorismo.
Concretamente dentro da comunidade científica, o maior desafio é ainda a falta de exemplos de liderança forte. Por razões históricas, a maioria das posições de liderança continuam a ser ocupadas por homens. O exemplo que damos a meninas e raparigas e jovens estudantes é ainda fraco no que diz respeito ao exemplo de mulheres como líderes fortes e frequentes.
Recentemente, houve uma mudança de linguagem - com a utilização da palavra 'equidade' em vez de 'igualdade'. O que é que para si, enquanto mulher e profissional, “equidade para as mulheres” significa?
Podemos começar por diferenciar os dois conceitos. Igualdade é tratar de forma igual as diferentes pessoas, neste caso géneros. Equidade é tratar adequadamente de acordo com as circunstâncias de cada um, sem permitir favoritismos ou preferências não legítimas. A adequabilidade tem de equacionar as circunstâncias, os gostos e toda a potencialidade de cada uma. Implica um trabalho de liderança de equipas e abertura para crescimentos menos convencionais. Geralmente em ambientes profissionais, podemos começar por perceber diferenças em termos de preferências para nomeações ou valores salariais.
A ciência tem sido uma área em que a meritocracia tem sido procurada, por isso a desigualdade pode não ser tão notória. No entanto, em termos globais, e especificamente na ciência, e por falta de adequadas oportunidades disponibilizadas às mulheres de forma sustentada, existem mais homens em posições de cientistas de topo, maior número de revisores e decisores que são homens e maior número de homens como líderes de grupo e responsáveis de instituições. Ainda há um caminho a fazer, mesmo na ciência.
Que aspectos das STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) melhoram notoriamente pela presença de mais mulheres nestas áreas?
Estudantes e profissionais mulheres estão sub-representadas nas STEM. Nas escolas, a maioria das alunas prefere seguir as artes, em vez de disciplinas como a matemática ou engenharia. A este fenómeno podemos chamar de "fosso de género nas STEM".
Acredito que trazer mais mulheres para posições de destaque em áreas de STEM traz diversidade e maior facilidade na resolução dos problemas, com objetivos mais práticos e mais ligados à realidade do dia a dia.
A diversidade nas equipas traz realmente melhores resultados. Seja diversidade cognitiva, diversidade de género ou mesmo apenas uma mera diferença no tamanho do grupo, é reconhecido que na maior parte das vezes, perspetivas diferentes conduzem à solução ideal.
Foi uma das homenageadas no último livro da Ciência Viva “Mulheres na Ciência”. Como reagiu ao saber que havia sido reconhecida como uma das cientistas a destacar?
Recebi este convite para integrar este grupo de mulheres homenageadas este ano na Ciência e fiquei deveras honrada e também um pouco surpreendida. Às vezes achamos que as nossas atividades não são visíveis ou passam mesmo despercebidas. É bom saber que existe atenção. Penso que este reconhecimento se deve maioritariamente ao meu trabalho como médica-cientista, sempre com um pé na clínica e outro na investigação, mas também às minhas atividades no ensino pré e pós-graduado da Medicina. Para além disso, mantenho atividades de divulgação de ciência e colaboro frequentemente com escolas secundárias, com a Ordem dos Biólogos e com Associações de Doentes, entre outras instituições.
Tem alguma mensagem que gostasse de passar a todos os que estão interessados em seguir uma carreira nas STEM, mas principalmente às mulheres e raparigas?
Sejam persistentes e estejam preparadas para as situações e não tenham medo de falar, de participar, de dar a vossa opinião. Não tenham medo de sonhar e de voar, mesmo que haja quedas no caminho. Cultivem a bondade, a inteligência e a generosidade.
Editado por John Lee, Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud.
