Cancro da mama: primeiras recomendações internacionais e cientificamente validadas sobre a utilidade do exame imagiológico conhecido como PET/TC com FDG
Actualmente, a decisão de realizar ou não um exame de imagem de medicina nuclear chamado PET/TC com FDG em doentes com cancro da mama depende em grande parte da prática habitual de cada médico. A publicação de orientações cientificamente validadas, elaboradas por um grupo internacional e multidisciplinar de peritos, deverá tornar o uso deste exame menos empírico, para benefício dos doentes.
Peritos de duas sociedades internacionais de medicina nuclear (EANM and SNMMI) juntaram-se aos de importantes sociedades de várias outras especialidades médicas envolvidas no cuidado de doentes com cancro da mama, incluindo oncologia, cirurgia, radio-oncologia e imagiologia mamária, para elaborar um conjunto de recomendações baseadas em evidência científica sobre a correcta utilização, no cancro da mama, de um exame de imagem médica que é utilizado há vários anos e envolve substâncias radioactivas, neste caso, um análogo da glicose denominado fluorodesoxiglucose (FDG).
Apesar de os especialistas de medicina nuclear serem os principais responsáveis por garantir a qualidade dos resultados e da interpretação do exame, não existiam até aqui recomendações oficiais, com validação multidisciplinar pelas sociedades internacionais, para o uso desta tecnologia híbrida. Agora, a situação mudou: o European Journal of Nuclear Medicine and Molecular Imaging publicou as primeiras guidelines com participação de peritos de medicina nuclear.
Duas dos 15 co-autores do documento trabalham na Fundação Champalimaud: Sofia Vaz, especialista em medicina nuclear e membro do comité de oncologia da Associação Europeia de Medicina Nuclear; e Fátima Cardoso, oncologista que lidera a Unidade de Mama da Fundação e é a presidente da Advanced Breast Cancer Global Alliance. A equipa da Unidade de Mama já utiliza muito frequentemente este exame para apoiar a decisão clínica nas diferentes fases da doença.
Este exame imagiológico é híbrido porque contém dois componentes: PET, que permite mapear os locais de células tumorais em proliferação, e TC (tomografia computadorizada) que fornece informação sobre a estrutura das lesões tumorais. Quanto ao FDG, está ligado a uma substância radioactiva, o flúor-18 ou (18F). A quantidade de [18F]FDG administrada por via endovenosa é mínima, não causa efeitos no organismo, nem são esperados quaisquer efeitos adversos.
Como as células tumorais que se estão a dividir precisam de energia para o fazer, geralmente isso significa que captam FDG – ou seja, estão activas. O PET/TC é um exame do corpo inteiro, normalmente da cabeça aos joelhos. É um estudo seguro, minimamente invasivo (apenas necessita da injecção de FDG), rápido e fácil de realizar, pois a posição do doente (habitualmente deitado de barriga para cima) e a duração do exame (cerca de 20 minutos no equipamento) podem ser relativamente adaptadas, de acordo com as necessidades de cada indivíduo.
O PET/TC é utilizado em várias doenças não oncológicas; contudo, é sobretudo usado no estadiamento e seguimento de muitos cancros, nomeadamente o da mama. Nos países europeus e norte-americanos, é muito frequente recorrer ao PET/TC para os cancros ditos “non special type” (NST), anteriormente conhecidos como carcinomas ductais invasivos, e que representam cerca de 80% dos cancros da mama. Existem outros tipos de cancro da mama, como são exemplo os subtipos lobulares e neuroendócrinos – mas nestes o benefício do exame não está tão bem estabelecido.
Fazer PET/TC numa fase inicial do cancro da mama pode ter impacto sobre a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes. Realizado na altura certa, o exame permite evitar tratamentos desnecessários. Actualmente, existem algumas recomendações para a utilização de PET/TC com FDG no cancro da mama, mas não são uniformes e não têm validação internacional e multidisciplinar.
Para formular as recomendações, os autores do documento fizeram uma revisão exaustiva da literatura científica sobre as diferentes indicações do PET/TC no cancro da mama NST. Posteriormente, foi realizada uma votação pelos peritos para aprovar as recomendações e foi obtido um consenso sobre as situações clínicas de doentes com cancro de mama NST nas quais se deve fazer PET/TC com FDG.
O grupo de peritos aprovou recomendações em três situações clínicas principais. A primeira estipula que os doentes com cancro da mama NST no estádio IIB (cancro localmente avançado) ou superior beneficiam de fazer estadiamento sistémico com PET/TC logo após o diagnóstico (ver figura, imagem A). O cancro localmente avançado é um cancro que já progrediu na mama e, possivelmente, nos gânglios linfáticos próximos, mas que, em princípio, ainda não metastizou. A identificação de lesões tumorais à distância (metástases) nesta fase é fundamental para decidir qual o tratamento mais eficaz.
A segunda recomendação é que o PET/TC é indicado na monitorização da resposta ao tratamento (ver figura, imagem C): permite avaliar, numa fase precoce, se há ou não resposta e, deste modo, ajudar a determinar qual o melhor tratamento, podendo-se assim evitar toxicidades desnecessárias. A terceira é que o exame também é indicado na avaliação, localização e extensão das recidivas (ver figura, imagem B).
As recomendações deverão ser actualizadas regularmente ou se surgir nova evidência científica. E como os avanços tecnológicos permitem identificar células tumorais num estádio cada vez mais precoce e logo após o início do tratamento, é provável que surjam estudos a indicar a utilidade do PET/TC no estádio IIA em vez de ser no estadio IIB. Adicionalmente, vários grupos têm investigado a análise semi-quantitativa da intensidade de captação de FDG pelas lesões tumorais como possível biomarcador do cancro.
Em relação aos restantes tipos de cancro da mama, estão a ser descobertos e avaliados novos fármacos que talvez venham ser muito importantes no futuro. Por exemplo, o fluoroestradiol (FES), que é um análogo da hormona estrogénio, e o inibidor da proteína de activação dos fibroblastos (FAPI) que marca os fibroblastos que constituem o microambiente tumoral, têm apresentado resultados muito promissores no cancro da mama, sobretudo no subtipo lobular, mas necessitam de mais validação clínica. Futuramente, as recomendações internacionais também deverão progredir nesse sentido.
Texto por Ana Gerschenfeld, Health&Science Writer da Fundação Champalimaud.