18 Maio 2023

Check Up #14 - Radioterapia interna e externa

Em que diferem?

Check Up #14 - Radioterapia interna e externa: Em que diferem?

Um dos pilares do tratamento do cancro é a radioterapia. A radioterapia faz uso, preferencialmente, de raios X para eliminar manifestações sólidas dos tumores malignos. 

Estima-se que 60% dos doentes com cancro sejam tratados por radioterapia numa determinada fase da doença, quer em protocolos de terapêutica radical (ablativos), quer em protocolos sintomáticos ou paliativos.

Em doses terapêuticas, a radioterapia danifica as células cancerosas provocando alterações irreversíveis no seu ADN. Sob o efeito da radiação, o ADN das células acaba por se tornar irreparável, fazendo com que elas não consigam manter o seu metabolismo, dividir-se ou proliferar. Dessa forma, simplesmente morrem (necrose) ou entram num processo de autofagia programada (apoptose). 

Existem dois tipos de radioterapia terapêutica: interna (braquiterapia) e externa. A braquiterapia (intersticial ou de proximidade) consiste em inserir uma fonte emissora de radiação dentro do corpo dos doentes para tratar cancros.

Cada um destes tipos de tratamento pode ser realizado com recurso a várias técnicas. Por exemplo, a radioterapia interna pode ser realizada com braquiterapia ou com a administração de micropartículas radioativas ou fármacos radioativos (radiofármacos), no doente. No primeiro caso, as fontes radioativas são seladas (corpo sólido) e podem ser implantadas no doente de forma permanente ou temporária. O implante permanente é realizado pelo método intersticial (dentro dos tecidos) em que são inseridas agulhas que permitem guiar as fontes radioactivas seladas (“sementes”), criando dessa forma uma área de exposição à radiação muito perto ou mesmo dentro dos tumores. São exemplos de cancros tratados desta forma as neoplasias da cabeça e pescoço, da mama ou da próstata.
 
O implante temporário é realizado fundamentalmente pelo método intracavitário, em que a fonte radioativa é colocada na proximidade do tumor com o auxílio de aplicadores colocados dentro de cavidades naturais (vagina, colo do útero). Existem ainda outros implantes temporários que são usados por exemplo em braquiterapia intersticial no tratamento do cancro da mama, braquiterapia endoluminal em que a fonte radioativa selada é temporariamente colocada no doente através de um cateter num vaso ou órgão oco, como a traqueia ou o brônquio, ou em braquiterapia superficial para tratar alguns tipos de tumores oculares ou da pele. 

A braquiterapia não é utilizada na Fundação Champalimaud. No entanto, a administração local (num órgão) ou sistémica (para todo o corpo) de fontes radioativas não-seladas (na forma líquida) como micropartículas radioativas ou fármacos radioativos (radiofármacos) no interior do doente, que são outras técnicas de radioterapia interna, também designadas por radioterapia molecular, são realizadas na Fundação Champalimaud e serão motivo para um outro Check-up.

Todas estas técnicas permitem a aplicação de doses elevadas de radiação nos tumores, minimizando os efeitos secundários adversos aos tecidos e órgãos circundantes.

Na Fundação Champalimaud, também pode ser realizada uma radioterapia externa, com recurso a várias técnicas. A radioterapia externa ou direccionada consiste num tratamento em que a radiação provém de um acelerador linear, portanto exterior ao corpo. 

Avanços tecnológicos recentes (duas últimas décadas), como seja o uso de intensidade modelada ou das novas plataformas robóticas capazes de irradiar volumetricamente (360º), de forma dinâmica, mudaram radicalmente o uso da radioterapia externa. Hoje, é possível “esculpir” a dose aplicada de forma focal, respeitando a anatomia individual de cada doente e reduzindo eficazmente a irradiação desnecessária de tecidos e órgãos adjacentes, o que se traduz num tratamento com toxicidade mínima. 

Na área do cancro rectal, por exemplo, o radioncologista Oriol Parés, da Fundação Champalimaud, explicava numa entrevista que “hoje em dia, já não irradiamos a pélvis [do doente] como se de um bloco se tratasse, mas ‘esculpimos’ a dose de irradiação na forma do mesorrecto de cada doente [a região específica onde se encontra o tumor]. Isso significa que é possível modular a intensidade do feixe [de radiação], adaptando-a de maneira dinâmica à forma do tumor ou do órgão que se pretende irradiar.”

Em geral, são necessárias várias sessões de radioterapia externa (5/6/7 semanas de tratamentos diários) para obter os resultados desejados. Na Fundação Champalimaud, onde algumas das técnicas mais avançadas de radioterapia estão a ser implementadas – e novas variantes desenvolvidas –, essa radioterapia convencional de muitas sessões, dita “fraccionada”, é, quando possível, substituída por uma radioterapia estereotáxica de precisão, com uso alargado ao crânio (cérebro) e corpo. Trata-se de uma abordagem que requer um número muito reduzido de sessões de irradiação (1 a 5), por vezes até mesmo apenas uma (radioterapia de dose única), sendo possível obter o mesmo efeito – nalguns casos com ganhos terapêuticos consideráveis (próstata, pulmão) – em comparação com os protocolos convencionais.

Para poder aplicar o protocolo de dose única, os radioncologistas da Fundação recorrem à técnica de “radioterapia guiada por imagem” (IGRT) quer na superfície (tumores da mama), quer em profundidade (tumores da próstata). O seu uso permite visualizar a anatomia tridimensional (3D) do doente em tempo real, enquanto o seu tumor está a ser irradiado. Isto minimiza a irradiação dos tecidos saudáveis e órgãos adjacentes. É possível assim, não só aumentar a dose de radiação administrada em cada sessão, como manter a função desses órgãos sem impacto clínico significativo na qualidade de vida dos doentes.
Podemos dizer que a radioterapia externa está cada vez mais a progredir para uma radiocirurgia – ou seja, para uma cirurgia por radiação, sem ser necessário qualquer acto agressivo de cirurgia convencional (aberta ou robotizada).

Na Fundação Champalimaud, a radiocirurgia já é utilizada nomeadamente no tratamento de lesões metastáticas (em doentes com um número reduzido de metástases), em lesões sintomáticas (dor, hemorragia, compressão) ou mesmo em doentes com tumores primários bem localizados, em alternativa à cirurgia convencional (próstata) ou naqueles que não podem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos (pulmão).
 

Fontes

https://www.cancer.gov/
https://fchampalimaud.org/

Por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
Revisto Por:
Professor António Parreira, Diretor Clínico do Centro Clínico Champalimaud.
Professor Durval Costa, Diretor do Serviço de Medicina Nuclear do Centro Clínico Champalimaud.
Dr. Nuno Pimentel, Diretor Executivo do Serviço de Radioncologia do Centro Clínico Champalimaud.
Dr. Paulo Ferreira, Físico do Centro Clínico Champalimaud.
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