03 Novembro 2023

Check Up #19 - Imunoterapia do cancro

O que são as células CAR-T e o que fazem?

Check Up #19 - Cancer immunotherapy

A imunoterapia do cancro é qualquer tratamento que utiliza o nosso próprio sistema imunitário para combater o cancro. Existem vários tipos de imunoterapia, alguns dos quais já estão a ser utilizados de forma rotineira e outros que ainda são essencialmente experimentais. Trata-se geralmente de uma segunda linha de tratamento, após a quimioterapia, a radioterapia ou a cirurgia. 

Existem vários tipos de imunoterapias. Por exemplo, pode tratar-se de medicamentos que bloqueiam os chamados "inibidores dos pontos de controlo imunitário" (em inglês, immune checkpoint inhibitors, uma parte normal do sistema imunitário), permitindo assim que as células imunitárias respondam mais fortemente ao cancro. As imunoterapias podem também ser a base de anticorpos monoclonais, que são versões de proteínas do sistema imunitário criadas no laboratório, que marcam as células cancerosas para que estas sejam melhor detectadas e destruídas pelo sistema imunitário. E podem ainda ser terapias de transferência de células T, que aumentam a capacidade natural das nossas próprias células T (as células imunitárias que matam outras células) para combater um cancro.

Durante a última década, a imunoterapia tornou-se naquilo a que muitos hoje chamam o "quinto pilar" do tratamento do cancro – depois da cirurgia, da quimioterapia, da radioterapia e da terapia dirigida (ver https://fchampalimaud.org/pt-pt/news/check-up-6-quimioterapia-radiotera…). 

Entre as terapias de transferência de células T, a mais recente – e potencialmente promissora – é a terapia com células CAR-T. As células CAR-T são produzidas através da recolha de células T do doente e da sua manipulação em laboratório, de modo a fazer com que apresentem, à sua superfície, proteínas que reconhecem e se ligam a proteínas específicas, ou antigénios, presentes na superfície das células cancerosas.

A terapia com células CAR-T consiste em reinjectar estas células modificadas no doente após terem sido clonadas para se obter milhões de cópias. Depois, quando estas células T entram em contacto com o seu antigénio-alvo na superfície de uma célula cancerosa, ligam-se a ele e são activadas, proliferam e tornam-se citotóxicas – ou seja, capazes de destruir as células cancerosas.

O acrónimo CAR significa, em inglês, "receptor de antigénio quimérico" (chimeric antigen receptor). Um CAR é, de facto, uma molécula artificial (uma fusão de várias moléculas que não existe como tal na natureza – uma "quimera") aplicada na membrana das células T. Inclui um fragmento, que se projecta para fora da célula, derivado de um anticorpo especificamente dirigido contra um receptor das células do cancro em causa (o já referido antigénio), bem como um fragmento de sinalização, no interior da própria célula T, que dará à célula imunitária “luz verde” para fazer o seu trabalho mal o antigénio-alvo esteja ligado à parte externa do CAR. O CAR é introduzido nas células T através de um vector viral.

Nos últimos anos, várias terapias com células CAR-T foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA). Todas elas se destinam ao tratamento de cancros do sangue, incluindo linfomas, algumas formas de leucemia e mieloma múltiplo. É preciso dizer que estes tratamentos são muito caros e que as suas taxas de sucesso variam substancialmente. E sobretudo, que não têm sido, por enquanto, eficazes no tratamento de tumores sólidos.

Como acontece com todos os tratamentos contra o cancro, as terapias com células CAR-T podem causar efeitos secundários graves. Um dos mais frequentes é a chamada síndrome de libertação de citocinas (cytokine release syndrome ou CRS). Isto acontece quando, como parte da sua resposta imunitária, as células CAR-T libertam quantidades excessivas de moléculas mediadoras chamadas citocinas. Embora seja suposto as citocinas estimularem positivamente a resposta imunitária, uma tal "tempestade de citocinas" pode causar graves estragos no organismo do doente (a propósito, a expressão "tempestade de citocinas", em inglês “cytokine storm”, tornou-se-nos familiar devido à COVID). Os sintomas da CRS incluem febres muito altas e quedas agudas da pressão arterial, e a CRS pode ser fatal na sua forma mais grave.

O outro efeito secundário mais preocupante das terapias com células CAR-T são os sintomas neurológicos, incluindo confusão grave, convulsões e perturbações da fala. A causa exacta destes efeitos secundários neurológicos ainda não é clara.

Como já foi referido, a utilização de células CAR-T no tratamento de tumores sólidos, como cancros do cérebro, da mama, da próstata, etc., não tem sido, por enquanto, bem sucedida. O problema está em desenvolver um tratamento que não mate também as células saudáveis vizinhas, devido à falta de especificidade do alvo, e que possa atravessar o "microambiente" do tumor para o atingir. Isto porque o microambiente tumoral contribui ativamente para reduzir a eficiência e a sobrevivência das células CAR-T.

Actualmente, estão em curso muitos esforços de investigação para tornar as células CAR-T mais específicas e eficientes e para controlar melhor a sua resposta, de modo a minimizar os perigosos efeitos secundários do tratamento.

Fontes:
https://www.cancerresearchuk.org/ 
https://www.cancer.gov/ 
https://www.proteogenix.science/ 

Por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.

Revisto por: Professor António Parreira, Diretor Clínico do Centro Clínico Champalimaud.
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