11 Janeiro 2023

A cirurgia do cancro mama do futuro está a chegar – e vai ter financiamento do PRR português

Um consórcio que reúne a Fundação Champalimaud e várias empresas nacionais vai receber financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência português para melhorar, graças a tecnologias digitais, a precisão da cirurgia do cancro da mama.

MetaBreast - Metaverse for Breast Cancer Surgery

O projecto tem por nome “MetaBreast - Metaverse for Breast Cancer Surgery”. Desenvolvido especificamente na área do cancro da mama, poderá ser, no futuro, aplicável noutros contextos cirúrgicos. Para já, o objectivo é “desenvolver e testar um novo dispositivo médico que permita [ao cirurgião] visualizar o tecido maligno dentro da mama da doente, em tempo real, no bloco operatório”, diz o documento de apresentação do projecto, no qual participa a Unidade de Mama da Fundação Champalimaud (FC), na pessoa do cirurgião Pedro Gouveia. 

“A tecnologia do MetaBreast deverá integrar perfeitamente visão por computador avançada e dados de imagiologia clínica, permitindo realizar cirurgias de precisão do cancro da mama (...) guiadas pelas imagens”, acrescenta o mesmo documento.

Além da FC, este projecto conta com a participação das empresas portuguesas INESC-TEC Porto, BMD Software (uma spinoff da Universidade de Aveiro) e IT People. E acaba de ver aprovado um financiamento de 2,7 milhões de euros vindos do Plano de Resiliência e Recuperação português (PRR), dos quais cerca de 1,4 milhões serão atribuídos à FC. 

O MetaBreast é um dos muitos projectos que integram o “Health from Portugal”, megaprojecto reformador da saúde que acaba de ser lançado e que foi promovido por um consórcio de mais de 90 membros do Health Cluster Portugal (uma associação sem fins lucrativos que reúne, entre outros, universidades, hospitais e empresas da área da saúde). 

O Health from Portugal é liderado pela empresa portuguesa Prológica e visa a concepção, o desenvolvimento e a produção de serviços e produtos avançados para o mercado da saúde. O Health from Portugal deverá receber um total de 94 milhões de euros das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial do PRR, iniciativa lançada pelo Governo em 2021.

Quanto ao MetaBreast especificamente, trata-se de “um projecto para o planeamento de cirurgias relacionadas com o cancro da mama”, diz Pedro Gouveia. Mais precisamente, pretende-se que, graças a tecnologias de realidade aumentada, realidade virtual e inteligência artificial, a visualização do tumor da mama e das suas margens durante a cirurgia se torne o mais semelhante possível a uma visualização directa. Conseguir “ver” o interior do corpo da doente “através da pele”, por assim dizer, aumentaria a precisão do gesto cirúrgico, permitindo potencialmente a extração completa de tumores da mama num único acto cirúrgico. 

Para isso (e aqui entramos no metaverso), será essencial a utilização de óculos de realidade aumentada ligados à internet, de forma ser possível a sobrepor imagens médicas da doente (nomeadamente de ressonância magnética e mamografia) a uma representação precisa do seu corpo e da posição deste na mesa cirúrgica.

Esta ideia já vem sendo testada por Pedro Gouveia na Fundação Champalimaud. Em Janeiro de 2020, óculos de realidade aumentada foram utilizados, pela primeira vez, no bloco operatório da Unidade de Mama, fornecendo ao cirurgião uma imagem virtual do tumor a extrair e a sua localização precisa. Agora, como o novo financiamento, o projecto MetaBreast – que deverá prolongar-se até finais de 2025 – está em condições de ir mais longe.

Cabe notar aqui que a visualização e localização precisas do tumor só foram possíveis graças à “fusão” de imagens médicas do tumor com um modelo 3D personalizado da superfície do torso da doente, deitada na maca de barriga para cima. Uma tarefa delicada, que necessita de algoritmos complexos e de potência de cálculo de forma a tornar as imagens médicas, obtidas em diversas posições e condições, sobreponíveis ao modelo 3D (só para dar um exemplo, a mama precisa de ser comprimida, deformada, para obter as imagens de mamografia). 

O primeiro passo desta nova fase do projecto será criar uma base de dados online, ditos “pseudo-anonimizados” (o que garante uma maior segurança), de várias centenas de doentes com cancro da mama, com imagens médicas anotadas, fotografias do torso e outros dados pertinentes de cada doente. Este registo das doentes será realizado na FC pela Unidade de Mama, numa sala denominada “Medical Metaverse Room” do seu novíssimo Digital Surgery LAB. Nessa sala, explica Pedro Gouveia, “há uma marquesa de bloco operatório para registar os doentes de barriga para cima, com câmaras espaciais 3D, de forma a criar imagens 3D do torso dos doentes.”

Também no Digital Surgery LAB serão tiradas fotografias 2D do torso das doentes, graças à contribuição de Pink, o robô fotógrafo do projecto Cinderela da Unidade de Mama, – liderado pela cirurgiã Maria João Cardoso –, que visa melhorar e personalizar os resultados estéticos das cirurgias da mama.

A partir daí, será possível gerar uma base de dados de mais de 10.000 doentes “digitais”, “sintéticos”. “A criação desta estrutura online de dados de imagem, que serão utilizados para investigação, estará a cargo da BMD Software”, diz Pedro Gouveia. Pelo seu lado, o INESC-TEC terá a responsabilidade de desenvolver os algoritmos e a inteligência artificial necessária para fusionar as imagens médicas e os modelos 3D. Por último, a IT People, empresa especializada em computação gráfica, irá ajudar a desenvolver “uma nova forma de visualizar dados imagiológicos através de realidade aumentada e de realidade virtual”, acrescenta Pedro Gouveia. 

Será noutra sala do Digital Surgery LAB, denominada “Immersive Surgical Arena” e localizada nos antigos armazéns da Doca Pesca, mesmo ao pé da Fundação, que os engenheiros irão trabalhar na concepção e teste do dispositivo médico do MetaBreast. Esta segunda sala “mimetiza um bloco operatório”, salienta Pedro Gouveia.

A derradeira etapa consistirá no teste do dispositivo no bloco operatório, através de um estudo clínico de viabilidade em doentes com cancro da mama.

“O MetaBreast”, lê-se no já referido documento de apresentação do projecto, “antevê uma nova era cirúrgica através do desenvolvimento de uma ferramenta de diagnóstico radicalmente nova (dispositivo médico) dentro de uma interface com o metaverso médico, destinada ao bloco operatório do futuro, que permite ancorar digitalmente os dados da radiologia no corpo do doente.”
 

Por Ana Gerschenfeld, Health&Science Writer da Fundação Champalimaud.
Loading
Por favor aguarde...