22 Dezembro 2020

Cirurgia robótica em ginecologia oncológica

Entre a democratização da cirurgia robótica e os promissores avanços nas áreas dos marcadores ao serviço da cirurgia personalizada, dos modelos 3D e da inteligência artificial, a Unidade Multidisciplinar de Ginecologia, assim como outras unidades de patologia do Centro Clínico Champalimaud, encontra-se na vanguarda das práticas de medicina oncológica moderna.

Cirurgia robótica em ginecologia oncológica

O Dr. Henrique Nabais, diretor da Unidade, explica-nos em que medida a cirurgia robótica é vital para a especialidade de ginecologia oncológica e dá-nos uma visão sobre os últimos desenvolvimentos e a realidade vivida na Unidade de Ginecologia do Centro Clínico Champalimaud, que desde 2017 utiliza a cirurgia robótica como opção de tratamento.

Poderia explicar-nos em que consiste a cirurgia robótica?

A cirurgia laparoscópica roboticamente assistida, designada habitualmente apenas por cirurgia robótica, teve e tem um sucesso enorme em todo o mundo, com um crescimento muito rápido, não só no número, também na complexidade e diversidade dos procedimentos cirúrgicos efectuados, nas diferentes áreas cirúrgicas. Só no último ano, registou-se um aumento de 20%.

A utilização da plataforma robótica na doença ginecológica foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos da América em 2005. 

Na ginecologia, a cirurgia robótica tem hoje, de acordo com a SERGS (Society of European Robotic Gynaecological Surgery), a sua principal indicação nos casos cirúrgicos mais complexos, particularmente no cancro ginecológico, na endometriose e nas doentes obesas, em especial na obesidade mórbida. 

Uma situação que de início levantou dúvidas foi a idade, e se seria uma condicionante a esta nova abordagem cirúrgica. Os diversos estudos demonstraram que a idade, só por si, não é uma contraindicação. Na verdade, para além de ser segura nas doentes com mais de 70-80 anos, pode associar-se, inclusivamente, a menor morbilidade intra e pós-operatória, imediata e tardia, permitindo uma convalescença mais rápida. 

Que vantagens podemos apontar à utilização da cirurgia robótica?

Pelo facto de permitir uma melhor visualização do campo cirúrgico, uma maior liberdade e melhor controlo de movimentos, uma maior reprodutibilidade cirúrgica, associado a um menor cansaço do cirurgião (muito importante nas cirurgias mais longas), vai fazer com que em mãos experientes seja, de facto, uma cirurgia mais rápida e segura, com forte impacto na qualidade de vida das nossas doentes e das suas famílias. 

Para as doentes, esta abordagem cirúrgica inovadora tem a vantagem de tornar possível uma cirurgia minimamente invasiva na maior parte dos casos, em particular nos mais complexos, sem a necessidade de uma cicatriz extensa na parede abdominal o que reduz significativamente a dor. Associa-se também a uma recuperação pós-cirúrgica mais rápida, mais fácil, e menos invasiva, o que permite um tempo de internamento mais curto. Desta forma, é possível um maior bem-estar e o retorno mais rápido e seguro à vida pessoal e profissional desejada. 

Existem situações em que é preferível optar pela cirurgia aberta ou laparoscópica em detrimento da cirurgia robótica?

As principais desvantagens apontadas (à cirurgia robótica) têm sido a necessidade de formação do cirurgião/equipa, mesmo que já tenha uma formação excelente nas outras abordagens cirúrgicas, o que significa investir tempo e dinheiro, para além da necessidade crítica de motivação de toda a equipa.

Outra suposta desvantagem, e aquela que tem limitado mais a difusão rápida desta abordagem cirúrgica, é o seu custo económico, aparentemente mais elevado, devido ao custo da plataforma robótica, do material descartável e ao maior tempo operatório/cirúrgico observado durante a curva de aprendizagem da equipa.

Como mencionou, a cirurgia robótica, tem neste momento custos temporais e financeiros mais elevados quando comparada com outras abordagens cirúrgicas. Esta realidade é preocupante? E o que pode ser feito para mitigar esta questão? 

Hoje sabemos que com o aumento da experiência das equipas, a amortização rápida pelo número crescente de cirurgias, o aumento do número de plataformas e o lançamento de novas plataformas, irá observar-se, num futuro próximo, uma redução significativa dos custos. Uma das principais causas apontadas para o custo elevado, é o maior tempo de ocupação da sala cirúrgica, mas na realidade o que temos vindo a assistir, é que com o aumento da experiência das equipas há uma redução significativa daquele tempo, passando a ser, muitas vezes, menor em comparação com as outras abordagens. Por outro lado, está demonstrado que se associa, caracteristicamente, a uma taxa menor de complicações e a uma curva de aprendizagem mais rápida, quando comparada com a da laparoscopia clássica, o que se traduz por importantes benefícios a vários níveis.

Qual tem sido o papel do Centro Clínico Champalimaud, especificamente no que diz respeito à utilização da cirurgia robótica na sub-especialidade de ginecologia oncológica?

O Centro Clínico Champalimaud foi pioneiro em Portugal na cirurgia robótica no contexto da patologia ginecológica, com particular enfoque no cancro ginecológico. As primeiras cirurgias foram efectuadas no nosso Centro em Fevereiro de 2017, sendo neste momento uma abordagem de rotina já com mais de 200 cirurgias efectuadas e com excelentes resultados para as nossas doentes. A doença ginecológica oncológica tratada desta forma tem sido, até agora, essencialmente o cancro do corpo do útero (endométrio e outros), cancro do ovário em estádios iniciais e alguns casos seleccionados de cancro do colo do útero. 

Segundo a Society of Gynecologic Oncologists  dos EUA e a American College  of Surgeons Commission on Cancer “uma das medidas de qualidade dos centros que tratam carcinoma do endométrio é a utilização  da cirurgia minimamente invasiva (laparoscopia clássica e cirurgia robótica), nos estádios I-III”. Neste momento, cerca de 90-95% dos casos de carcinoma do endométrio são tratados desta forma no Centro Clínico Champalimaud.

Face ao muito que já foi alcançado, quais os planos para o futuro?

A Unidade Multidisciplinar de Ginecologia tem participado em vários estudos internacionais, fazendo parte de vários grupos de trabalho multinacionais, o que lhe permite estar na vanguarda do conhecimento, das perspectivas de futuro e também do sonho. 

A nossa Unidade irá iniciar, logo após a resolução do período de constrangimento da pandemia COVID-19, a abordagem robótica noutras patologias ginecológicas com indicação específica, nomeadamente na endometriose grave e no prolapso uro-genital complexo.

Acredito que a cirurgia robótica virá ser, num futuro muito próximo, a principal forma de tratar a grande maioria das doenças ginecológicas com indicação cirúrgica. Esta “democratização” da técnica permitirá que todos os ginecologistas possam utilizar o que denominamos de cirurgia minimamente invasiva, com claras vantagens para as doentes e para as instituições, públicas e privadas.

Quais os esforços que estão a ser desenvolvidos em termos de investigação nesta área e qual o potencial para o futuro?

Esta é a uma questão essencial ainda mais tratando-se de uma área onde são múltiplas as linhas de investigação, constituindo-se como uma mais-valia já no momento presente. Destacam-se como as mais promissoras o desenvolvimento de novos marcadores que permitirão uma maior personalização da cirurgia, a utilização de modelos 3D que possibilitarão guiar de forma mais precisa e segura a cirurgia e ainda a utilização da inteligência artificial. 

Na minha opinião, este é o caminho, sem retorno, da laparoscopia moderna, com perspectivas futuras extraordinárias e que constituem já um marco definitivo na evolução da atividade cirúrgica em geral. 

 

Por John Lee, content developer da Fundação Champalimaud.

 

Cirurgia robótica em ginecologia oncológica Equipa de cirurgia da Unidade de Ginecologia do Centro Clínico Champalimaud.
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