20 Julho 2023

Fundamentals of Medicine vai ser relançado em Setembro 2023 com fórmula mais adaptada às necessidades dos potenciais alunos

O formato deste curso, dirigido a investigadores e criado em parceria pela Fundação Champalimaud e a Faculdade de Medicina & Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve, visa “uma simplificação dos objectivos e uma diminuição da carga de trabalho do curso”.

Isabel Palmeirim

Entrevista com Isabel Palmeirim, “Director of Education” da Fundação Champalimaud.

O formato deste curso, dirigido a investigadores e criado em parceria pela Fundação Champalimaud e a Faculdade de Medicina & Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve, visa “uma simplificação dos objectivos e uma diminuição da carga de trabalho do curso”.

Isabel Palmeirim, que foi até recentemente diretora da Faculdade de Medicina & Ciências Biomédicas e do curso de Medicina da Universidade do Algarve, acaba de ser nomeada, este mês de Junho, “Director of Education” da Fundação Champalimaud (FC).

Desde 2020, Isabel Palmeirim já organizou e dirigiu, por duas vezes, o curso Fundamentals of Medicine da FC, uma iniciativa pioneira dirigida aos investigadores da casa interessados em se familiarizar com a terminologia e as questões anatómicas, fisiológicas, patológicas e farmacológicas dos diferentes sistemas orgânicos e funcionais do corpo humano, de forma a conseguir estabelecer pontes entre a investigação e a clínica – os dois principais ramos de actividade da instituição.

Numa perspectiva mais geral, o desafio que se segue para esta médica-cientista de 57 anos, é integrar e estruturar as variadas iniciativas de ensino que já existem na FC, bem como incentivar a criação de novas iniciativas que envolvam investigadores, médicos ou ambos. Um dos primeiros passos: reformular a ideia original do Fundamentals of Medicine.


A sua colaboração com a Fundação Champalimaud começou com um curso chamado Fundamentals of Medicine. O que é?

É um curso pós-graduado que nasceu como uma colaboração entre a Fundação Champalimaud e a Faculdade de Medicina da Universidade do Algarve. E que, tendo em conta o seu sucesso, se pretende que continue.


Quem teve a ideia? Qual era o objectivo?

A ideia veio de João Silveira Botelho, administrador da Fundação Champalimaud. Na qualidade de diretora do curso de Medicina da Universidade do Algarve, eu estava a fazer uma apresentação do nosso curso de Medicina e a falar da nossa preocupação em formar médicos capazes de dialogar com cientistas e foi-me perguntado se existia algum esforço em sentido contrário: formar investigadores capazes de ouvir/falar sobre medicina com um médico.

E realmente, eu desconhecia que houvesse qualquer coisa desse género. Foi-me portanto lançado, em 2018, o desafio de criar uma formação que familiarizasse os investigadores com a terminologia e as questões médicas, de forma a fomentar o aparecimento de projetos de “translação”. 


O que são projetos de translação? 

Projetos de translação são aqueles em que a ciência básica é “traduzida” em ciência aplicada à prática médica (a expressão em inglês para descrever o processo de translação é “from the bench to the bedside”). A investigação científica tem permitido aumentar o conhecimento biológico de uma forma espantosa, mas há um atraso importante entre este aumento de conhecimento e a sua aplicação ao diagnóstico e tratamento médicos. 


É difícil fazer translação?

A translação científica apresenta uma dificuldade real, que é o facto de os investigadores e os médicos pertencerem a dois mundos diferentes, que pouco se cruzam. Os investigadores não sabem quais são as necessidades que os médicos sentem no terreno, e os médicos não sabem como abordar os investigadores para lhes apresentar as dificuldades que têm. Ora, pensamos que os projetos mais interessantes vêm precisamente das fronteiras entre estes domínios, e que é preciso poder “saltar” de um para o outro. Daí ter achado tão interessante o tentar munir investigadores de topo com a linguagem e os conhecimentos médicos necessários para que possam imaginar aplicações das suas áreas de investigação à prestação de cuidados médicos. E era uma coisa inédita. Continuo sem conhecer nada deste género, em Portugal ou lá fora.


Qual era o formato inicial do Fundamentals of Medicine?

Na sua fase inicial, o Fundamentals of Medicine (FoM) correspondia totalmente a uma unidade curricular (UC) que existe no curso de Medicina do Algarve, a UC Ciências Básicas e Clínicas I (UC CBC I). A ideia era que, se o FoM entusiasmasse investigadores da Fundação Champalimaud, incitando-os a candidatar-se ao curso de Medicina do Algarve, e estes fossem selecionados nos testes de acesso ao curso, seria atribuída uma equivalência entre a UC CBC I e o FoM realizado na Fundação Champalimaud.

A ideia inicial, proposta por João Silveira Botelho, foi portanto concretizada num formato muito exigente. Contudo, o objetivo fundamental continuava a ser que, sem necessariamente quererem ir para Medicina, os investigadores alunos do curso conseguissem adquirir um contacto diferente com a prática médica.


Já houve duas edições do curso. Como correram?

O curso revelou-se muito interessante para os alunos, mas muito “pesado” em termos de trabalho. A primeira edição durou um ano e foi muito intensiva. A segunda edição manteve os conteúdos mas durou 18 meses, para reduzir o ritmo de trabalho dos alunos.

Agora, vamos abandonar parcialmente este formato. Vamos “descolar” o Fundamentals of Medicine da UC do curso de Medicina do Algarve. Ou seja, esta pós-graduação vai deixar de ter equivalência à UC CBC I, o que vai permitir simplificá-la substancialmente.

De facto, não há necessidade de os investigadores atingirem o grau de conhecimento que nós estávamos a fornecer no início. Portanto, o que eu pretendo fazer agora é relançar o FoM num formato mais adaptado às necessidades e aos interesses dos investigadores da Fundação Champalimaud.


O Fundamentals of Medicine faz apelo a uma metodologia chamada “problem-based learning” ou PBL. O que é o PBL?

Estudos científicos têm demonstrado que o nosso cérebro retém melhor os conhecimentos se a aprendizagem for uma atividade activa, direccionada para a resolução de problemas, ou seja, com aplicação clara no dia-a-dia. É esta a ideia base do PBL.

Este tipo de aprendizagem já foi implementado na Universidade do Algarve.

Antes de mais, é preciso dizer que o PBL já é aplicado noutras partes do mundo: o Canadá e a Holanda, por exemplo, fazem PBL há mais de 40 anos nos cursos de Medicina.

No nosso curso de Medicina da Universidade do Algarve, o PBL é a base dos dois primeiros anos do curso desde 2009 e a sua aplicação foi completamente nova e pioneira em Portugal. Tendo em conta que a metodologia do PBL é totalmente diferente do método de ensino clássico, a ideia foi criar um pequeno (inicialmente recebia apenas 32 alunos/ano) curso de Medicina que funcionasse como uma espécie de tubo de ensaio, onde pudéssemos testar o funcionamento destas novas metodologias de aprendizagem activa na formação médica em Portugal.


Mais concretamente, em que consiste a metodologia PBL aplicada ao Fundamentals of Medicine

Os problemas que os alunos têm de resolver são casos clínicos e estes estão organizados em conjuntos de cinco ou seis casos que procuram que os alunos desenvolvam conhecimento médico em determinadas áreas: sistema cardiovascular, sistema imunitário, sistema nervoso central, etc. E há um “tutor” que vai orientando a discussão do caso clínico pelos alunos. As turmas têm idealmente entre seis e dez alunos, para a discussão ser suficientemente viva. E depois de os alunos terem trabalhado um tema/caso, há um ou dois seminários dados por especialistas no tema – e os alunos acabam por completar o seu conhecimento do tema através desses seminários. (Mais pormenores em: https://fchampalimaud.org/pt-pt/news/aprender-ver-o-mundo-com-olhos-de-…


O que vai mudar na próxima edição do Fundamentals of Medicine?

Até aqui, os alunos tinham de passar por todas as áreas exigidas para a equivalência com a UC CBC I, como já referi. Como isso vai deixar de ser necessário, há temáticas que serão eliminadas, ficando apenas as mais interessantes para os investigadores da Fundação Champalimaud. A área Materno-Infantil, por exemplo, não é algo que tenha grande interesse para os cientistas desta casa – mas toda a parte do sistema nervoso tem, obviamente, porque está ligada às neurociências que aqui se fazem. Nos novos moldes, vai haver uma simplificação dos objectivos e uma diminuição da carga de trabalho do curso. 

Por outro lado, tendo em conta o importante número de pedidos que chegaram à FC vindos do exterior, o Conselho de Administração decidiu autorizar a abertura do Fundamentals of Medicine a investigadores de outras instituições. Uma atitude muito generosa, tendo em conta os valores envolvidos… 

Penso também que, agora que estou aqui, vou conseguir conhecer muito melhor a comunidade da Fundação Champalimaud e convidar médicos da casa a darem seminários no curso, o que irá fazer com que os investigadores e os médicos se conheçam e comuniquem mais, eventualmente favorecendo as oportunidades de surgir investigação de translação. 

Já existem muitas colaborações dentro da Fundação. Mas não em todas as unidades, nem em todos os grupos de investigação. A ideia de colaborar faz parte da cultura da casa e queremos que se generalize.


Já tem ideias concretas sobre o que quer fazer no seu novo cargo mais para a frente?

Sim, começam a desenhar-se já algumas ideias, mas essencialmente o que estou neste momento a fazer é reunir com o máximo de pessoas possível (investigadores, médicos, técnicos, alunos) para fazer um levantamento das suas necessidades e do que sentem que corre bem, ou que pode ser melhorado, em termos de educação na Fundação.


A utilização do PBL poderá ser estendida a outras iniciativas?

Poderá. Uma das ideias é criar um programa do tipo do Fundamentals of Medicine, mas para os médicos – um Fundamentals of Research, por assim dizer. O PBL é uma forma muito interessante de aprender e adapta-se muito bem aos adultos, que já não têm paciência para estar numa sala de aula a ouvir alguém a debitar matéria, não é?

 

Entrevista por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
Loading
Por favor aguarde...