22 Dezembro 2021
Siga o seu nariz
Neurónios do córtex olfativo associam cheiros a lugares.
22 Dezembro 2021
Neurónios do córtex olfativo associam cheiros a lugares.
Os cheiros têm o poder de nos transportar no tempo e no espaço. Basta o aroma do jasmim ou a brisa marinha para voltarmos ao jardim da nossa infância ou à praia das nossas férias.
Esta associação entre cheiros e lugares parece ser um aspeto profundamente enraizado da cognição humana. Mas como é que as duas coisas estão ligadas no cérebro? Um estudo publicado hoje (22 de dezembro) na revista científica Nature apresenta uma possível explicação.
“A moléculas dos cheiros em si não contêm informação espacial. No entanto, na natureza, os animais utilizam os cheiros para se orientarem, e na memória, o que lhes permite localizar recursos valiosos tais como alimentos”, disse Cindy Poo, primeira autora do estudo. “Quisemos perceber as bases neurais destes comportamentos e portanto decidimos estudar como o cérebro combina as informações olfativas e espaciais.”
Os cientistas focaram-se no córtex olfativo primário. “O sistema olfativo é único relativamente aos outros sentidos”, disse Zachary Mainen, investigador principal no Centro Champalimaud, em Lisboa, e líder do estudo. “Só o olfato possui ligações diretas recíprocas com o sistema do hipocampo, que participa na memória e na navegação.”
Os neurónios do hipocampo são famosos pelo seu papel enquanto “células de lugar” (em inglês, place cells). Isto porque cada uma dessas células se ativa num local específico do espaço em causa. Juntos, esses neurónios codificam a totalidade dessa área, criando, de facto, um mapa neural do espaço. As “células de lugar” do hipocampo, cuja descoberta nos ratos valeu um prémio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2014, são tão fiáveis que os cientistas conseguem dizer onde está um animal pela simples observação da actividade dessas células!
“Sabemos que o sistema do hipocampo envia sinais ao córtex olfativo primário”, disse ainda Poo. “Por isso, suspeitávamos que esta região cerebral pudesse estar a fazer mais do que distinguir cheiros”.
Para testar esta ideia, os investigadores desenvolveram um quebra-cabeças especialmente desenhado para os ratos, que possuem um faro muito apurado. Os ratos cheiravam determinados odores em cada extremidade de um labirinto em forma de cruz e a seguir, em função do cheiro, tinham de descobrir onde estava escondida uma recompensa. “Nesta tarefa, os ratos precisavam de aprender e memorizar associações precisas de cheiros e lugares”, explica Poo.
Enquanto os animais resolviam o puzzle, os cientistas monitorizaram a atividade dos neurónios numa parte do córtex olfativo primário chamada córtex piriforme posterior. “Os neurónios comunicam entre si emitindo impulsos elétricos”, explica pelo seu lado Mainen. “Ao registarmos os sinais elétricos emitidos por centenas de neurónios individuais nesta área cerebral, conseguimos descodificar o que estimulava individualmente certos neurónios. Por exemplo, se eles se ativavam quando o animal cheirava um odor específico ou se isso acontecia quando o animal se encontrava num determinado sítio do labirinto.”
“Os nossos resultados superaram as nossas expectativas”, diz Poo. “Tínhamos previsto que alguns neurónios da área poderiam ser sensíveis, até certo ponto, à localização. Mas, ao estudarmos cuidadosamente a atividade dos neurónios do córtex olfativo enquanto o animal circulava no labirinto, descobrimos que esses neurónios tinham aprendido a mapear a totalidade do espaço à volta”.
A equipa descobriu uma grande população de neurónios que, à semelhança das “células de lugar” do hipocampo, se ativavam, cada um, num local específico do labirinto. Mas o mapa não cobria da mesma forma a totalidade do espaço; restringia-se sobretudo aos pontos do labirinto com relevância comportamental – ou seja, aos pontos onde os animais cheiravam os odores e recebiam recompensas.
“O que parece ter acontecido é que as localizações importantes eram aprendidas através da experiência e codificadas num mapa. Igualmente notável foi que estas células do sistema olfativo começaram a responder num dado local mesmo na ausência de qualquer cheiro nesse local, quando o rato circulava simplesmente no labirinto sem realizar qualquer tarefa”, acrescenta Mainen.
Será desta maneira que conseguimos formar memórias que ligam certos cheiros a lugares específicos? “Descobrimos que alguns dos neurónios estudados respondiam ao cheiro, outros ao local e outros ainda aos dois tipos de informação em níveis variáveis. Ora, todos estes neurónios estão misturados uns com os outros e provavelmente interligados. Portanto, podemos especular que a ativação das associações cheiro-espaço possa ser causada pela atividade dentro desta rede”, sugere Poo.
“O estudo também abre uma nova janela para perceber como os sentidos são utilizados para a navegação e a memória”, acrescenta Mainen. “Os humanos utilizam mais as referências visuais do que as olfativas, mas é provável que os princípios que nos permitem lembrar-nos onde estivemos e chegar ao nosso destino sejam muito semelhantes”, conclui.
Referência do Estudo: Cindy Poo, Gautam Agarwal, Niccolò Bonacchi, Zachary Mainen. Nature.