Entre as doenças neurológicas, que são hoje as principais causas de incapacidade no mundo, a Doença de Parkinson (DP) é aquela que mais está a crescer. Com mais de seis milhões de indivíduos afetados em todo o mundo, este número deverá chegar a mais de 12 milhões de pessoas até 2040.
O que poderá estar a desencadear este crescimento? Enquanto a maioria das doenças diminui com o crescimento do nível socioeconómico, no caso da DP acontece o oposto. O aumento da industrialização e da longevidade pode estar a contribuir para a chamada “pandemia de Parkinson”. Nas últimas décadas, países como a China, que passaram por um rápido desenvolvimento industrial, são também os mesmos onde se verificou o maior aumento na prevalência da DP.
Qual é então a ligação entre a industrialização e o Parkinson? A poluição ambiental com toxinas, como pesticidas e produtos químicos, tem sido citada como um possível fator. Por exemplo, apesar de ter sido banido em mais de 30 países, o uso do pesticida paraquato, que tem sido associado à DP, continua a crescer em países como os EUA. Enquanto isso, outros países que o proibiram, como a Inglaterra, continuam a exportá-lo. Da mesma forma, o tricloroetileno, um químico neurotóxico, também associado a um maior risco de DP, continua a ser usado de forma massiva em todo o mundo, sendo que os relatos sobre a sua toxicidade remontam a 1932.
Além desta, outras possíveis causas têm sido apresentadas. Vários estudos, incluindo uma análise retrospectiva de ex-profissionais de futebol, descobriram que lesões traumáticas na cabeça podem ser um fator de risco para o desenvolvimento da DP.
Embora uma causa genética única seja responsável por apenas 3 a 5% dos doentes com DP – em particular no caso de doentes jovens adultos com DP, conhecida por DP juvenil – a vulnerabilidade genética pode ter um contributo em 16 a 36% do risco, sendo que a interação entre fatores de risco genéticos e ambientais é responsável pelo desenvolvimento da doença.
Mas de que forma estas causas, sejam ambientais ou genéticas, provocam a DP? O distúrbio é classicamente visto como resultante da morte de células nervosas numa parte do cérebro chamada substância negra. Essas células produzem dopamina, um mensageiro químico, e a perda dessas células leva a um défice nos níveis de dopamina, resultando nos conhecidos sintomas motores de tremor, rigidez e bradicinesia (lentidão de movimento). Mas importa referir que a doença também afeta outros circuitos e funções cerebrais.
A DP é tipicamente considerada uma doença do movimento, mas mesmo em 1817, o próprio James Parkinson havia notado a depressão como um sintoma comum, sendo que até 50% dos doentes com DP sofrem de depressão durante o decurso da sua doença.
De facto, ainda que o diagnóstico da DP continue a depender de sintomas motores clássicos, como o tremor (um sintoma presente em menos de 20% dos doentes) e bradicinesia (um sintoma sempre presente), há de tal maneira um elevado número de sintomas psiquiátricos associados à doença que a DP pode ser mais corretamente definida como uma doença neuropsiquiátrica.
Os sintomas não motores da DP para além de múltiplas, precedem muitas vezes os sintomas motores em vários anos e podem ser úteis para o diagnóstico e tratamento precoces da doença. Desde distúrbios do sono e perda do olfato até à disfunção urinária e prisão de ventre, a lista de sintomas não motores na DP é longa.
Investigadores descobriram que o doente médio apresenta mais de seis desses sintomas e que o impacto na qualidade de vida é ainda maior do que aquele que resulta dos sintomas motores.
Por exemplo, a psicose, a ansiedade e a apatia, bem como distúrbios do controlo de impulsos, como o jogo compulsivo, ou incapacidade em controlar pulsões sexuais ou alimentares, são complicações psiquiátricas comuns e muitas vezes incapacitantes da DP, afetando não apenas os doentes como também aqueles que pertencem ao seu círculo mais próximo.
Outro exemplo é o perturbação de comportamento do sono REM (do inglês, rapid eye movements – fase do sono com movimentos rápidos dos olhos). durante o qual os indivíduos se movem a “representar” os sonhos durante a fase REM do sono que podem resultar em lesões. Este distúrbio (em inglês conhecido por RBD) é de longe o mais forte preditor clínico de DP, podendo aparecer vários anos antes do início da doença.
À medida que a DP avança, a probabilidade para o desenvolvimento de síndromes, como o défice cognitivo ou a demência, aumenta e há cada vez mais evidências de que as complicações não motoras podem surgir não apenas como resultado da patologia da DP, mas também como uma consequência do próprio tratamento da doença.
É surpreendente que a terapia mais eficaz para a DP, um precursor da dopamina chamado levodopa, tomado por via oral, tenha já mais de cinquenta anos. No entanto, nas últimas duas décadas, os tratamentos não orais, até então reservados como medida de último recurso, estão a tornar-se mainstream, expandindo assim as opções terapêuticas para os doentes com DP.
Destes, surgiram três tratamentos auxiliados por dispositivos, para os quais os doentes são rDestes, surgiram três tratamentos auxiliados por dispositivos, para os quais os doentes são recomendados a familiarizar-se logo desde o início da doença de forma a estarem melhor preparados caso os tratamentos padrão deixem de ser tão eficazes. O objetivo comum destas três terapias é conseguir uma forma de estimulação mais continuada do que aquela que é possível com os tratamentos orais.
Um desses métodos, conhecido como estimulação cerebral profunda (do inglês DBS), é um procedimento no qual elétrodos são cirurgicamente implantados no cérebro, para estimular células em áreas-alvo, e um dispositivo é colocado subcutaneamente na parte superior do tórax, para controlar os níveis de estimulação dos elétrodos.
Outro desses métodos, chamado terapia com gel intestinal de levodopa-carbidopa (em inglês LCIG), evita a passagem pelo estômago garantindo que sejam atingidas concentrações sanguíneas estáveis de levodopa por administração intestinal direta através de um tubo inserido cirurgicamente. Da mesma forma, a infusão subcutânea contínua de apomorfina (em inglês CAI), que em breve estará disponível no Centro Clínico Champalimaud (ver abaixo), usa um sistema de bomba para fornecer, subcutaneamente, um substituto da dopamina chamado apomorfina.
Embora estes tratamentos possam aliviar os sintomas motores, estão a ser feitos esforços para que seja possível aplicar uma estimulação dopaminérgica contínua usando métodos menos invasivos.
No entanto, como a progressão da DP evolui para áreas cerebrais não dopaminérgicas, a otimização da estimulação dopaminérgica pode não conseguir dar uma resposta adequada à gama de sintomas associada a esta doença. Tendo em conta os efeitos colaterais associados à farmacoterapia, surgiu um repertório crescente de intervenções não farmacológicas, que vão desde terapias comportamentais e de apoio psiquiátrico até à reabilitação física e mudanças no estilo de vida.
Por exemplo, várias estratégias de fisioterapia foram consideradas benéficas, tirando partido de circuitos motores ainda não afetados pela doença – como acontece no caso dos doentes com DP que mantêm a sua capacidade de andar de bicicleta sem esforço. Vários estudos relataram que manter níveis elevados e regulares de atividade física e hábitos de exercício por longos períodos de tempo pode retardar significativamente o decurso da doença.
Embora uma abordagem multidisciplinar da DP possa ajudar a melhorar os resultados clínicos, nenhum dos tratamentos mencionados até agora demonstrou abordar o processo neurodegenerativo subjacente à DP, agindo nos sintomas, e não na causa. No entanto, como detalhado na secção seguinte, existem várias terapias em desenvolvimento que se apresentam como potenciais modificadoras da doença.
Na Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud (CCC), um grupo composto por neurologistas, psiquiatras e psicólogos, especificamente preparados para avaliar e cuidar de pessoas que vivem com DP, trabalha em colaboração com vários centros de reabilitação. No CCC, este grupo oferece algumas terapias avançadas, referidas neste artigo, como é o caso da CAI, e outras que não foram referidas, como a toxina botulínica e a estimulação magnética transcraniana (em inglês TMS), que oferecem novas possibilidades para sintomas resistentes a outros tipos de tratamento.
A equipa na Fundação Champalimaud encontra-se a desenvolver vários estudos de investigação em DP. Por exemplo, num dos projetos estão a ser desenvolvidas medidas automatizadas de movimento. Combinando sensores de movimento com inteligência artificial, o objetivo é melhorar o diagnóstico e avaliação da DP e descobrir simultaneamente quais parâmetros de movimento que estão relacionados com a perda de neurónios dopaminérgicos.
Num outro projeto, a equipa está a tentar compreender a observação paradoxal de que alguns pacientes com DP parecem mover-se muito melhor quando reagem a um estímulo do que quando decidem mover-se sozinhos. Eventualmente, isto pode ajudar a entender em detalhe o que está a acontecer no cérebro de pacientes como John Roche.
Em paralelo, a equipa está a usar sensores de movimento não apenas em humanos, mas também em modelos de ratinho de DP. Este tipo de investigação pré-clínica está a ajudar a estabelecer ligações entre o comportamento e a neurodegeneração com um nível de precisão que não é possível de ser alcançado em populações clínicas.
Para além dos atualmente tratamentos actualmente disponíveis e muito eficazes para os sintomas motores e não motores na DP, estão também a ser estudadas várias abordagens que procuram atacar os culpados moleculares desta doença.
Por exemplo, pessoas com DP podem apresentar nas suas células do cérebro agregados anormais de uma proteína chamada α-sinucleína, pelo que dissolver ou prevenir depósitos de α-sinucleína pode ser uma estratégia eficaz para o tratamento da DP. Atualmente, existem muitos ensaios clínicos que procuram atingir diferentes estruturas de α-sinucleína, o que poderá ter grande potencial para bloquear a progressão da doença.
Uma vez que algumas formas de DP estão associadas a certas mutações genéticas ou polimorfismos, existem também alguns ensaios clínicos especialmente desenhados para pacientes com certas mutações (por exemplo, nos genes Glucocerebrosidase ou LRRK2).
Juntos, estes tratamentos preventivos e curativos prometem melhorar a vida dos pacientes presentes e futuros e, finalmente, proporcionar-lhes a cura.
Recursos úteis
Link com informação variada para doentes (disponível em diferentes línguas):
https://www.movementdisorders.org/MDS/Resources/Patient-Education.htm
Associações de doentes:
https://www.youngparkiesportugal.org/home/ – Association for Young PD Patients
https://parkinson.pt/ – Portuguese PD Association
Texto: Hedi Young (Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud)
Imagem: Marta Correia (Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud)
Editora: Liad Hollender (Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud)
Tradução: Catarina Ramos (Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud)
Esta peça foi preparada com o apoio da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud e do Laboratório de Disfunções dos Circuitos Neurais da Champalimaud Research.