22 Dezembro 2022

10+ anos, já?!?!

A época festiva não é a única razão para celebrar este mês. Ao assinalarmos o nosso 10º aniversário de promoção da cultura científica, pedimos a Catarina Ramos, Coordenadora da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud (FC), que olhasse para trás, para a última década de atividades de educação e outreach da FC, e convidámos algumas (das muitas) pessoas que as fizeram acontecer a partilhar connosco as suas memórias. A lista de atividades é longa e diversificada e este texto não pretende ser uma descrição exaustiva de todas, é antes uma forma de reconhecer o trabalho desenvolvido pela comunidade FC e ter uma percepção do impacto que este trabalho tem.

Mais de 10 anos de promoção de cultura científica na Fundação Champalimaud

Para saltar diretamente para as memórias e testemunhos - cliquem aqui.

Para um pouco de perspectiva histórica (e pessoal), continuem a ler.

 

"Tem sido uma aventura e tanto", diz Catarina. "Em 2011, eu integrava um dos laboratório associados da FC enquanto pós-doutorada  e,  durante o Retiro Anual, o Investigador Principal e na altura Diretor do Programa de Investigação Zach Mainen iniciou uma discussão em torno da ideia de estabelecer algum tipo de plataforma para comunicar ciência com a sociedade em geral. Mais tarde nesse ano, a Anna Hobbiss, então estudante de doutoramento na FC, enviou um e-mail a perguntar quem estaria interessado em partilhar, com o público, a ciência que estava a ser feita na FC. Foi assim que tudo começou para mim. Eu na altura estava a fazer um Mestrado em Comunicação de Ciência, e respondi logo àquele desafio que ela estava a lançar. Um grupo de estudantes e investigadores reuniu-se e começou a fazer brainstorming. Era uma tela em branco".

De “looooogas e intensas, mas muito gratificantes discussões”, nasceu o primeiro Evento Ar, "Engineering the Mind", que aconteceu apenas um ano após a inauguração da FC. "Os Eventos Ar abrem as portas do nosso Auditório ao público, para explorar ciência e ideias através de apresentações, experiências interativas, debates (há de tudo um pouco!) com oradores da CF e convidados de todo o mundo. Produzimos  até agora quase 50 eventos Ar, que coletivamente atraíram mais de 20.000 pessoas".

"Quando começamos com estas atividades, havia também quem estivesse interessado em encontrar formas de promover a ciência junto de um público mais jovem. Foi assim que em 2012, juntamente com um grupo de estudantes de doutoramento - Maria Inês Vicente, Pedro Ferreira, Ana Pereira, Rodrigo Abril Abreu e  Mafalda Vicente (espero não me estar a esquecer de ninguém!) lançamos o primeiro programa oficial de educação científica para crianças da FC, denominado Sciencecalifragilistic, co-financiado pela Ciência Viva. Com este programa, procurávamos não só partilhar o nosso entusiasmo pela ciência, mas também mostrar como esta é feita.".

O programa decorreu ao longo de cerca de dois anos, e cada edição compreendeu 40 horas de formação. "Os alunos desenvolveram as suas próprias perguntas de investigação, recolheram dados, repetiram experiências, e fizeram uma apresentação no final. Os meios de comunicação social costumam destacar os resultados científicos, os outputs, não a forma como se chega lá. Esta foi uma oportunidade para fazerem um test drive ao método científico. Alguns dos alunos perceberam que a ciência não era para eles, enquanto que para outros, foi plantada uma semente".

"Por exemplo, este ano uma das voluntárias do Simpósio Anual da Champalimaud Research, Mariana Morais, veio ter comigo e disse: 'Talvez não se lembre  de mim, mas eu fui uma das estudantes que participou no programa Sciencecalifragilistic, aqui, há 10 anos. Essa experiência despertou o meu interesse pela neurociência, e agora estou a estudar para me tornar neurocirurgiã’. A Mariana até está a pensar fazer um doutoramento após terminar a especialidade! Temos algumas histórias como esta".

Em 2013, a Catarina deixou a bancada para formar a equipa de comunicação de ciência da FC, juntamente com a escritora de ciência Liad Hollender. "Uma das primeiras coisas que fizemos, em termos de outreach, foi organizar visitas escolares, o que, até então, tinha acontecido num sistema ad hoc. Abrimos candidaturas às escolas de todo o país, dando-lhes a oportunidade de ver “em direto” a ciência que se faz nos nossos laboratórios e de interagir  com cientistas". Com a ajuda da Coordenadora de Relações Públicas e Institucionais da FC, Maria João Villas-Boas, muitos outros colegas, a FC já recebeu mais de 10.000 estudantes e um grande número de pedidos estão em lista de espera. “Às vezes, pergunto-me se pudéssemos fazer uma visita escolar todos os dias, se seríamos capazes de ‘limpar estas listas’?”

"Também colaboramos frequentemente com organizações externas", diz Catarina. Para a Neuronautas, uma academia de neurociência para estudantes do ensino secundário co-financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, a FC juntou-se à NeuroGEARS, com sede em Londres e dirigida por Gonçalo Lopes. "O Gonçalo fez o seu doutoramento na FC, e agora, a ele juntaram-se outros dois doutorados da FC, Danbee Kim e Bruno Cruz. O círculo ficou completo quando, este ano, ao investigador João Frazão e a um grupo de estudantes e pós-doutorados da FC, se juntaram os alumni Danbee, Bruno, Nuno Loureiro e Gil Costa que ensinaram neurociência na mesma sala onde em tempos a aprenderam".

A primeira edição do Neuronautas teve lugar em 2019 e, com o objetivo de democratizar a ciência, a academia utiliza software de código aberto e ferramentas de baixo custo, que depois os jovens podem utilizar para fazer experiências, no campo, ou na sua própria casa. "Em 2020, tivemos de cancelar o programa devido à pandemia, mas retomámos o programa com uma edição online em 2021, seguida de uma edição híbrida este ano, que incluiu estudantes de locais tão distantes como o Porto, Espanha  ou Açores".

Embora a pandemia tenha sido muito desafiante para a equipa CEO, também proporcionou inúmeras oportunidades. "Por exemplo, o evento Ar, online, sobre a aplicação de substâncias psicadélicas na saúde mental, alcançou mais de 1.200 participantes (e mais de 2,300 viram o vídeo), mais do dobro da dimensão da audiência que normalmente temos em eventos presenciais. Também desenhamos e implementámos, em colaboração com os institutos parceiros COLife e a Ciência Viva, uma campanha digital, "Conversas com Cientistas", que surgiu de uma ideia da Investigadora Principal da FC, Marta Moita, para sensibilizar o público para a importância e segurança das vacinas COVID-19". Com o apoio de 120 cientistas de 20 instituições nacionais, a campanha realizou mais de 400 sessões online, alcançando cerca de 16.000 pessoas, em Portugal e não só.

É importante notar que uma grande parte dos esforços de comunicação científica da FC se dirige a jovens de comunidades desservidas. "Muitos jovens pensam que a ciência não é para eles porque não são bons alunos em matemática, porque os seus pais não têm um curso superior ou porque simplesmente nunca sequer consideraram a ciência como uma opção. Queremos mudar isso. 

No mês passado, lançámos a  segunda edição de 'Ciência di Noz Manera', um programa que começou com a Gestora de Projeto Laura Ward, o Diretor-Adjunto João Cruz e a Investigadora Principal Adriana Sánchez-Danés, com a contribuição de muitos estudantes, investigadores e clínicos, no qual a nossa equipa fornece mentoria, de  longa duração, junto de adolescentes provenientes de bairros carenciados. O objetivo é ajudá-los a decidir sobre as melhores opções de carreira. Lembro-me de uma aluna que queria ser enfermeira. Ela abriu um livro de enfermagem e disse: "Isto é demasiado difícil. Eu não sou suficientemente boa". Programas como este reforçam a confiança destes jovens e oferecem-lhes a oportunidade de pensar o seu futuro de forma diferente".

Este projeto tornou-se agora parte do RAISE - Researchers in Action for Inclusion in Science and Education (Cientistas em Ação pela Inclusão na Ciência e Educação) - , um novo consórcio composto pela FC, iMM e a ONG Native Scientists, financiado pela Comissão Europeia (MSCA and Citizens grant) "Com a RAISE, queremos chegar aos membros da sociedade que se sentem excluídos da ciência". O RAISE organizou recentemente a sua primeira edição da Noite Europeia dos Investigadores, que teve lugar na FC. Mais de 1200 pessoas participaram, incluindo várias centenas de jovens  de escolas provenientes de comunidades desservidas que se deslocaram gratuitamente à FC graças ao financiamento que o RAISE recebeu da Comissão Europeia. "Oferecemos  60 atividades diferentes para explorar, desde workshops a música, dança e estações de  ciência ‘mãos-na-massa’. Até tivemos comédia stand-up científica a bordo de um catamarã".

Por toda a FC, ciência e arte se cruzaram, mas guardo duas memórias vívidas daquele dia - a primeira, como foi fantástico ver a nossa comunidade unida, a transformar planos, ideias e ficheiros Excel em algo entusiasmante, de uma forma tão generosa, e depois, descobrir que alguns dos jovens que nos visitaram, viram, nesse dia, o rio Tejo pela primeira vez! Há tantas dimensões nestas atividades de outreach”.

"Nenhuma destas atividades teria sido possível sem a iniciativa e dedicação de muitas pessoas da FC, unidas pelo objetivo de comunicar e levar a ciência junto da sociedade". Estes programas e eventos não só aproximam a ciência do público geral, mas também unem a nossa comunidade, e são uma parte integrante da nossa cultura. Devo confessar que fico sempre um pouco preocupada com o que pensam quando me vêem percorrer os laboratórios à procura de novos 'parceiros de crime', ou quando recebem os meus 'e-mails de recrutamento', pergunto-me se irão revirar os olhos e pensar 'lá vem ela de novo para nos pedir para fazermos alguma coisa', mas devo dizer que tenho tido muita sorte e continuarei a ouvir as ideias de todos, pois gosto realmente de as transformar em realidade. Espero que possamos continuar juntos nesta aventura. Obrigada”.
 

Texto por Hedi Young, Editor e Science Writer da equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud.
Mais de 10 anos de promoção de cultura científica na Fundação Champalimaud
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